Mestre em Psicologia Social Valter da Mata defende a necessidade de se rever algumas das lógicas reproduzidas pela Psicologia brasileira, que precisa dar mais atenção ao problema do racismo

No Brasil, há uma profunda dificuldade em se ter acesso a dados sobre a saúde mental da população negra. Isso acontece porque a cor não é uma informação coletada e analisada pelos órgãos responsáveis, como se o recorte racial fosse irrelevante para compreender os transtornos mentais. Para entender melhor sobre o tema, é preciso se aprofundar na busca de trabalhos acadêmicos pontuais e livros escritos por psicólogos que, não por acaso, são na maioria das vezes pessoas negras.

 

Segundo um artigo publicado no Jornal Brasileiro de Psiquiatria e disponível no Scielo, “os sujeitos de cor negra permaneceram, em média, 71,8 dias internados [em hospitais psiquiátricos], enquanto os de cor parda permaneceram 20,3 dias e os de cor branca, 20,1 dias”. No entanto, é importante perceber que essas pessoas são as que se encontram nos quadros mais agudos de desamparo, pois não recebem visitas e, muitas vezes, não possuem familiares ou amigos que possam oferecer assistência após o período de internação.

Um exemplo desse tipo de equívoco quanto ao recorte racial dos transtornos mentais, especialmente se tratando do acolhimento de pessoas negras, pobres e moradoras de rua, aconteceu no dia 6 de fevereiro de 2013 no Crato, cidade que fica na região do Cariri, interior do Ceará. Um cidadão negro chamado Francisco do Nascimento, que sofre de transtornos mentais, entrou em surto no centro da cidade após ser insistentemente maltratado e provocado pelas pessoas ao seu redor, que rejeitavam a sua presença nas calçadas e arredores. Francisco foi amarrado a um poste por dois agressores e a polícia foi chamada ao local, onde os policiais se negaram a socorrer e transportar o homem a um centro onde pudesse ser atendido. Por horas preso sob tratamento humilhante e desumano, o cidadão virou personagem principal de uma situação lamentável, onde as pessoas o observavam como um ser exótico e conviviam naturalmente com a imagem de um homem negro amarrado em praça pública.

racismo raquel paris

Em relato sobre o caso publicado no blog da jornalista Raquel Paris, alguns pontos importantes são apresentados no desfecho da situação: “Por fim, soldados do Corpo de Bombeiros o desamarraram e encaminharam Francisco ao único hospital psiquiátrico de toda região. Chegando ao Santa Tereza, foi admitido e medicado. No dia seguinte, atendido pela psicóloga Leda Mendes Pinheiro, reclamou da forma

com que foi tratado e principalmente por nem água ter bebido. Segundo ele, sua intenção era juntar o lixo da rua. Tudo se transformou em caso de polícia quando os lojistas foram hostis e ele reagiu com hostilidade. Ainda segundo a psicóloga, ele estava bem, orientado e participando das atividades”.

No entanto, a realidade da população de rua e das pessoas negras que acabam necessitando de atendimento psiquiátrico e internações não é a única face do racismo como problema de saúde mental. O racismo vigente no Brasil causa prejuízos à autoestima e autonomia das pessoas negras e suas consequências são seríssimas em diversos âmbitos subjetivos e sociais. De uma forma ou de outra, esse conhecimento não é devidamente divulgado e, ao contrário de diversos outros temas relacionados à Psicologia, o conteúdo sobre o assunto é escasso até mesmo na internet.

Além disso, as ações promovidas pela Psicologia brasileira, representada por seus órgãos responsáveis e instituições de ensino, são extremamente pontuais, tímidas e, quando ocorrem, limitadas ao âmbito acadêmico.

 

O racismo não é problema da Psicologia?

Valter da Mata é psicólogo, mestre em Psicologia Social e professor universitário, além de ser membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. Ele está envolvido em diversas atividades e reivindicações para que a Psicologia dedique mais atenção ao problema do racismo no Brasil e fala abertamente sobre a necessidade de rever algumas das lógicas reproduzidas pela Psicologia brasileira. Em entrevista concedida à Fórum, da Mata discorre sobre o problema do racismo no Brasil e por que a Psicologia deve se debruçar para combatê-lo. Leia abaixo a entrevista na íntegra:

 

Fórum – Como surgiu o seu interesse pela temática racial na Psicologia?

Valter da Mata – Ainda estudante, fui convidado por uma ONG, na época chamava-se Cooperativa Educacional Steve Biko, para ministrar uma disciplina chamada CCN – Cidadania e Consciência Negra. Em contato com os estudantes desta instituição, pude ver por um outro prisma os impactos do racismo na construção psíquica daquelas pessoas. Baixa autoestima, que se caracterizava por escolhas de carreiras baseadas nas menores concorrências; identidade étnicorracial fragmentada, geralmente com negação das referências africanas. Daí por diante, levei essas inquietações para minha formação.

 

Fórum – Foi difícil encontrar produções voltadas para o assunto?

Da Mata – Publicações na Psicologia, quase nenhuma, tive que me orientar por psicólogos norte americanos e textos de antropologia e sociologia. Na década de 1990, a produção acadêmica sobre relações raciais da Psicologia brasileira era pífia.

 

Fórum – Como você enxerga a formação da Psicologia no Brasil hoje? O racismo é um tema abordado nas grades curriculares?

Da Mata – A formação da Psicologia no Brasil passa por um momento de transformação, mas ainda muito lenta. Parece que a fase de casulo ainda vai demorar. As Instituições de ensino, aliadas à representação social do trabalho do psicólogo, continuam privilegiando o trabalho de clínica individual no consultório como o principal. Parece que ainda não se ligaram no contexto atual, onde cresceu assustadoramente o número de cursos de Psicologia em todo Brasil, além da necessidade de ocupação de postos nas mais diversas políticas públicas.

Desconheço completamente a abordagem do racismo nos cursos de Psicologia, mesmo sendo um tema que pode ser discutido em todas as disciplinas. Vejo isso mais enquanto iniciativas particulares de alguns professores. Infelizmente a maioria, mesmo tendo a obrigação de fazer a inclusão do tema, não o faz. Essa

obrigação é devido as leis 10639 e 11645, que determinam o ensino da história e cultura dos povos africanos e indígenas, além de temas correlatos, desde o ensino fundamental até o ensino superior.

 

Fórum – Mesmo com mais de 50% da população sendo autodeclarada negra, por que é tão raro encontrar disciplinas e eventos acadêmicos na Psicologia voltados para o problema do racismo?

Da Mata – O motivo para isso? Difícil responder um único motivo, provavelmente deve ser multifatorial: acredito que parte minimiza o problema, tratando-o como algo menor; outros devem acreditar que a Psicologia nada tem a ver com isso; outros devem acreditar no mito da democracia racial, onde existe uma convivência pacífica entre as raças; outros adotam o discurso antirracistas blasé, onde não existem raças, somente uma única, a humana, e falar de racismo e de raças seria acirrar os ânimos, num típico discurso “deixa quieto”. Enfim, são múltiplas.

 

Fórum – Independente da abordagem psicológica escolhida pelo aluno ou profissional, é possível tratar o racismo como algo que gera sofrimento psíquico? É possível ir a fundo nessa questão e dar ao racismo um tratamento similar ao dado para questões como depressão, estresse, ou até outros transtornos mentais?

Da Mata – Não conheço todas as abordagens psicológicas, portanto fica difícil responder com precisão essa pergunta. Mas para mim a primeira coisa que o profissional ou estudante pode e deve fazer, é acreditar que o racismo existe no nosso país e que ele pode gerar sofrimento psíquico. Uma situação de discriminação racial, das mais sutis possíveis, pode vir a desencadear situações de extrema angústia, refletindo decisivamente na autoestima do indivíduo. A discriminação racial não pode ser tratada como algo “natural” ou “normal”, é algo que humilha e faz sofrer. Evidentemente, cada sujeito elabora de acordo com seus repertórios cognitivos e culturais cada demanda.

 

Fórum – Muitas pessoas negras que buscam psicólogos relatam casos de discriminação na psicoterapia. Muitas vezes, esses profissionais tratam o racismo como um problema individual e até mesmo de “paranoia” ou “síndrome de perseguição”, chegando à culpabilização da pessoa negra, que é revertida como racista por enxergar racismo em toda parte. Como trabalhar melhor essas questões na psicoterapia, já que a psicoterapia é uma prática difícil de se “fiscalizar” e acompanhar?

Da Mata – Temos que entender o contexto em que se dá essas relações. A Psicologia se estabeleceu como uma ciência burguesa, exercida por e tratando burgueses. O padrão de normatividade também segue o que advém da burguesia. O Brasil foi forjado no mito da democracia racial, que foi e de certa forma ainda é, uma justificativa perfeita para explicar as condições materiais, psicológicas, de status e tantas outras: a própria incompetência, algo inato da raça negra. Esse mito esconde os privilégios historicamente destinados à população branca e assim tomar essa “superioridade” enquanto algo natural. Esse pano de fundo se torna um terreno fértil para o psicólogo que não se dedica a estudar as relações raciais cair na vala do senso comum e acusar a vítima como culpada da sua situação. Chamo isso de “crimes perfeitos”, onde a própria vítima é a culpada, muito parecido com os casos de estupro, onde as mulheres são vistas enquanto culpadas pelo ato. Creio que fiscalizar a prática desses profissionais é difícil, mas cabe realmente

ao cliente denunciar, mesmo sendo difícil provar o ocorrido, cabe uma acareação, cabe uma orientação por parte do Conselho Regional, cabe apresentar a resolução 18/2002. Provavelmente esse comportamento tenderá a desaparecer, uma vez que essa prática poderá colocar sua atuação profissional em risco.

 

Fórum – Como cobrar os conselhos regionais e federal para que desenvolvam iniciativas e eventos voltados para a discussão e o combate ao racismo? Estudantes e profissionais podem exigir isso dos conselhos?

Da Mata – Os profissionais e estudantes podem e devem exigir dos conselhos toda e qualquer discussão de interesse dos mesmos. O Congresso Nacional da Psicologia aponta como diretriz a ser contemplada pelas gestões regionais e federal abordar as questões étnicorraciais, portanto ao realizar essas ações, os conselhos regionais estão cumprindo as diretrizes nacionais da Psicologia.

 

Fórum – Na sua perspectiva, é um desafio para a Psicologia levar esse tema para além dos ambientes acadêmicos?

Da Mata – A Psicologia por muito tempo ratificou as diferenças raciais. Testes de inteligência e tantos outros foram utilizados para ratificar a superioridade da raça branca. No Brasil, a Psicologia após da década de 1950 calou-se diante da temática, deixando a discussão para outras ciências como a Sociologia e Antropologia. Entretanto é o discurso psicológico que pode estudar, avaliar e entender os efeitos subjetivos do racismo. Saber em que medida essa chaga interfere nas relações entre as pessoas baseados nos seus traços fenotípicos, especialmente no que diz respeito a construção das identidades pessoal e social.

 

Fórum – O Código de Ética do Psicólogo diz que é proibida a manifestação de opiniões discriminatórias. Se um profissional manifesta opiniões racistas nas redes sociais, por exemplo, como levar esse problema para os conselhos? É possível?

Da Mata – Essa proibição está bem explicitada na resolução 18/2002, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação ao preconceito e discriminação racial. Caso o profissional manifeste opiniões racistas cabe a outros psicólogos, a sociedade e até mesmo o próprio conselho fazer a denúncia. Na minha prática docente, faço questão de apresentar a resolução a todos os alunos, enquanto conteúdo básico da disciplina.

 

Fórum – Afinal, qual é o papel da Psicologia na luta contra o racismo brasileiro?

Da Mata – Podemos dizer que somente no século XXI a Psicologia acordou para estudar o fenômeno do racismo e suas repercussões psicológicas. Por décadas psicólogos desenvolveram teorias que sustentaram e ratificaram o binômio superioridade/inferioridade das raças humanas. No Brasil, temos a forma mais sofisticada de racismo já elaborada, sem leis explícitas que ratifiquem a exclusão, é um racismo que vai sendo veiculado em doses às vezes homeopáticas, às vezes cavalares, no cotidiano. Os atores sociais vão assimilando essas crenças, que determinam lugares, justificam o status quo, dentre outras consequências. Cabe à Psicologia, juntamente com outros saberes, ajudar a decifrar esse enigma, essa ideologia perversa que aprisiona e produz sofrimento de diversas ordens. Cabe aos psicólogos enfrentarem o mito da democracia racial, dentre tantos outros mitos, para que possamos criar uma ciência e profissão realmente engajada na promoção dos direitos fundamentais, para a construção de uma sociedade equânime.

 

Por Jarid Arraes

 

Fonte: http://revistaforum.com.br/digital/167/psicologia-e-racismo-o-desafio-de-romper-omissao/

 

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ESQUIZOFRENIA NA INFÂNCIA

O termo esquizofrenia foi criado pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler em 1911, a partir das raízes gregas schizo (dividida) e phrene (mente) = mente fendida1.

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a esquizofrenia é uma patologia psiquiátrica crônica, grave que leva a distorções no pensamento, no comportamento, na percepção e emoções.

A esquizofrenia geralmente tem seu início no final da adolescência ou início da fase adulta. Porém, a esquizofrenia de início precoce é definida como o aparecimento de sintomas psicóticos específicos e prejuízos nas funções adaptativas entre os 13 e os 17 anos. E a esquizofrenia de início muito precoce aparece antes dos 13 anos de idade3.

Os critérios diagnósticos para esquizofrenia em crianças são os mesmos para a forma adulta, exceto que as crianças deixam de atingir os níveis esperados de desempenho social e acadêmico4.

A imaturidade normal do desenvolvimento da linguagem e a separação entre a realidade e a fantasia tornam difícil o diagnóstico da esquizofrenia em crianças, principalmente, com idade abaixo dos sete anos5.

 

Diagnóstico

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR)6, a Esquizofrenia é uma perturbação cuja duração mínima é de seis meses e inclui no mínimo um mês de sintomas da fase ativa.

A- Sintomas característicos: no mínimo dois dos seguintes quesitos, cada qual presente por uma porção significativa de tempo durante o período de 1 mês (ou menos, se tratados com sucesso):

delírios

alucinações

discurso desorganizado (por exemplo, frequente descarrilhamento ou incoerência)

comportamento amplamente desorganizado ou catatônico

sintomas negativos: embotamento afetivo, alogia ou abulia

Nota: apenas um sintoma do critério A é necessário quando os delírios são bizarros ou as alucinações consistem de vozes que comentam o comportamento ou os pensamentos da pessoa, ou de duas ou mais vozes conversando entre si.

B- Disfunção social/ocupacional: por uma porção significativa do tempo, áreas importantes do funcionamento, tais como trabalho, relações interpessoais ou cuidados pessoais estão acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início (ou, quando o início se dá na infância ou adolescência, incapacidade de atingir o nível esperado de realização interpessoal, acadêmica ou profissional).

C- Duração: sinais contínuos da perturbação persistem pelo período mínimo de 6 meses. Este período de 6 meses deve incluir pelo menos 1 mês de sintomas que satisfazem o critério A (isto é, sintomas da fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas prodrômicos ou residuais. Os sinais da perturbação podem ser

manifestados apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no critério A, presentes de uma forma atenuada (por exemplo, crenças estranhas, experiências perceptuais incomuns).

D- Exclusão de transtorno esquizoafetivo e transtorno de humor: o transtorno de humor com características psicóticas foram descartados, por que: (1) nenhum episódio depressivo maior, maníaco ou misto ocorreu concomitantemente aos sintomas da fase ativa; ou (2) se os episódios de humor ocorreram durante os sintomas da fase ativa, sua duração total foi breve com relação à duração dos períodos ativo e residual.

E- Exclusão de substância/condição médica geral: a perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por exemplo, uma droga de abuso, um medicamento) ou uma condição médica geral.

 F- Relação com um transtorno global do desenvolvimento: se existe um histórico de transtorno autista ou de outro transtorno de desenvolvimento, o diagnóstico adicional de esquizofrenia é feito apenas se delírios ou alucinações proeminentes também estão presentes pelo período mínimo de 1 mês (ou menos, se tratados com sucesso).

Classificação do curso Longitudinal (pode ser aplicada apenas 1 ano após o aparecimento inicial dos sintomas da fase ativa).

O delírio é uma alteração do juízo de realidade, onde existem crenças errôneas, habitualmente envolvendo a interpretação equivocada de percepções ou experiências. Seu conteúdo pode incluir temas de caráter persecutório, referencial, somático, religioso ou grandioso. Os delírios bizarros são considerados especialmente característicos da esquizofrenia.

As alucinações são alterações da sensopercepção que podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial (auditiva, visual, olfativa, gustativa e tátil). Alucinação é a percepção clara e definida de um objeto (voz, ruído, imagem) sem a presença do objeto estimulante real. A alucinação auditiva é mais comum e é percebida como uma voz distinta do pensamento do próprio paciente.

A desorganização do pensamento pode acontecer nas situações em que o paciente salta de um assunto para outro; as respostas não estão relacionadas com as perguntas e o discurso geralmente é incompreensível.

Com relação ao comportamento amplamente desorganizado, podem aparecer dificuldades no desempenho da vida diária, tais como preparar as refeições ou manter a higiene e a aparência pode ser de acentuado desleixo6. Essa alteração chama a atenção dos pais, pois geralmente a criança já tinha alcançado essa fase de autonomia.

O afeto embotado ou inadequado é uma das características marcantes dos pacientes com esquizofrenia em qualquer idade. É difícil notar ressonância afetiva, normalmente se percebe um distanciamento afetivo com sorriso ou expressão facial tola na ausência de um estímulo adequado6.

 

 Caracteristicas clínicas

Normalmente, as crianças com esquizofrenia passam a se desinteressar pelas atividades realizadas anteriormente, acompanhadas de isolamento. No início, o quadro é facilmente confundido com depressão, pois a criança torna-se retraída, perde o interesse pelas atividades habituais e passa a apresentar distorções do pensamento e da percepção. Como ocorre com os adultos, a criança pode ter alucinações, delírios e paranoia, temendo que as outras pessoas estejam maquinando para lhe causar danos ou que estejam controlando seus pensamentos. A criança esquizofrênica também pode apresentar contenção das emoções, nem a sua voz nem suas expressões faciais alteram-se em resposta a situações emocionais. Eventos que normalmente provocam o riso ou o choro podem não produzir qualquer resposta8.

O início do quadro da esquizofrenia na infância costuma ser lento, podendo levar meses ou anos para se chegar ao diagnóstico devido à interpretação da alteração do comportamento como período de transição entre as fases normais do desenvolvimento ou como consequência de algum acontecimento marcante. Quando os sinais e sintomas estão presentes, como os delírios e as alucinações, com queda no rendimento escolar, insônia, agitação, agressividade o diagnóstico é mais evidente9.

As crianças com esquizofrenia podem ter risos inadequados ou chorar sem serem capazes de explicar o motivo.

A avaliação psiquiátrica se baseia na anamnese (história clínica), exame físico e exame psíquico. Os exames laboratoriais e de imagem não determinam a existência da doença, mas são úteis para afastar problemas orgânicos como tumor ou má formação cerebral. Eles auxiliam no diagnóstico diferencial assim como no planejamento terapêutico.

É fundamental a investigação detalhada de todas as informações sobre o início e o desenvolvimento da doença. Também é importante investigar sobre os antecedentes pré-         -mórbidos, ou seja, como era o funcionamento da criança antes da doença, se possível filmagens e fotos da criança nos diversos ambientes:

escola, casa de parentes e passeios. Outro ponto importante é a história familiar de esquizofrenia na família, o que aumenta o risco do desenvolvimento da doença10.

 

Epidemiologia

As pesquisas demonstram que aproximadamente 1% da população é afetada pela esquizofrenia. Os estudos sobre a hereditariedade ou a genética da esquizofrenia não têm sido totalmente conclusivos, mas está

comprovado que o fator de risco é influenciado pela presença da patologia em parentes diretos. A prevalência de esquizofrenia entre os pais de crianças afetadas é cerca de 8%11.

Estima-se que 0,1 a 1% dos casos de esquizofrenia tenha iniciado antes dos dez anos de idade e cerca de 4% antes dos 15 anos3.

Os meninos parecem ter leve preponderância entre as crianças com esquizofrenia, com uma razão estimada de 1,67 meninos para cada menina12.

Alguns diagnósticos em psiquiatria infantil não são muito precisos. Uma vez que a criança é um ser em desenvolvimento, esses quadros só irão se configurar mais claramente ao longo dos anos.

 

Etiologia

A Esquizofrenia é uma doença complexa que resulta de uma intricada rede de interações entre fatores endógenos (genéticos) e exógenos (ambientais)11.

 

Estudos genéticos

Os componentes genéticos estão entre os mais importantes elementos desta rede, sendo que distintas alterações devem ocorrer no genoma para que a doença se estabeleça. Acredita-se que essas alterações produzam um significativo desequilíbrio de certas vias fisiológicas, que por sua vez desencadeiam o processo patológico.

As similares taxas mundiais de prevalência da esquizofrenia, além da similaridade de sintomas e evolução clínica nas diversas populações, sugerem fortemente que a esquizofrenia não resulte de determinados padrões ambientais ou étnicos.

O envolvimento de componentes genéticos é fortemente sugerido principalmente por estudos que investigam o padrão de herança da doença, incluindo gêmeos, pais e filhos afetados, e estudos de famílias completas. A taxa de concordância para esquizofrenia é da ordem de 41 a 65% entre gêmeos monozigóticos e de 0 a 28% entre gêmeos dizigóticos.

As buscas de marcadores biológicos – principalmente alterações genômicas, alterações de expressão gênica ou alterações na atividade ou na expressão de proteínas – que possam determinar o desenvolvimento da doença ou mesmo apontar caminhos que possam elucidar a sua patogênese, têm sido o alvo principal de diversos grupos de pesquisa nos últimos anos.

Apesar da evidência da importância de fatores genéticos, mudanças na estrutura cerebral e vias neuroquímicas, ainda não é possível saber exatamente qual é a causa da esquizofrenia.

 

 Estudos bioquímicos

O sistema dopaminérgico consiste principalmente de três vias: nigroestriatal, mesolímbico e mesocortical, e tuberoinfundibular. Há também vários tipos de receptores dopaminérgicos, com diferentes localizações cerebrais. São conhecidos os receptores D1, D2, D3, D4 e D5; sabe-se que os antipsicóticos atuam de modo

indiferenciado nos diversos receptores e sua administração por tempo prolongado (3 a 4 semanas) leva a uma diminuição do ritmo de atividade, fenômeno conhecido por bloqueio de despolarização. Esse fenômeno ocorre nos sistemas nigroestriatal e mesolímbico. Assim é possível inferir que a atividade excessiva de alguns sistemas dopaminérgicos ocorre na esquizofrenia.

 

Estudos do neurodesenvolvimento

Os fatores de risco pré-natais e perinatais para a esquizofrenia são pesquisados tentando identificar os comprometimentos cerebrais no neurodesenvolvimento. Complicações de gravidez e de parto, exposição pré-natal a viroses e achados neuropatológicos, como anormalidades na citoarquitetura, são comprovadamente associados a um maior risco de desenvolver esquizofrenia. Assim, é consistente o achado de diminuição volumétrica do cérebro, aumento dos ventrículos laterais, além de diminuição do lobo temporal na região do hipocampo em pacientes esquizofrênicos adultos. As alterações histopatológicas são sugestivas mais de disginesia do que de degeneração, como redução de neurônios corticais e periventriculares, ausência de células de gliose e alteração da posição das células piramidais.

Além da dopamina, outras substâncias biogênicas provavelmente também estão envolvidas: a noradrenalina, a serotonina e outros neuropeptídeos neurotransmissores. Estudos de neuroimagem com PET e SPECT apontam receptores de neurotransmissores em diferentes regiões cerebrais, além de confirmarem o bloqueio de receptores D2 pelos neurolépticos.

A neurobiologia da esquizofrenia de início na infância ainda precisa ser melhor estudada, tanto para melhorar a definição e o entendimento da patologia quanto para melhorar a abordagem terapêutica e o prognóstico.

 

 Diagnóstico diferencial

Ao se deparar com a suspeita de um diagnóstico de esquizofrenia, é preciso antes saber detalhes do desenvolvimento motor, afetivo e intelectual da criança e seus antecedentes familiares.

Não é um diagnóstico simples e pode ser difícil de diferenciar de outros quadros, principalmente o transtorno afetivo bipolar, sendo necessárias muitas avaliações ao longo do tempo.

 

 Transtorno afetivo bipolar

A apresentação do TAB, na infância, pode ter uma apresentação inicial muito semelhante ao quadro de esquizofrenia, pois a criança pode ter delírios e alucinações, o que confunde seu diagnóstico. Aproximadamente metade dos pacientes com transtorno bipolar com início na adolescência teve erroneamente o diagnóstico de esquizofrenia no passado, revelando grande dificuldade desse diagnóstico na infância e adolescência. Com o tratamento medicamentoso da mania, o quadro tende a remitir, e aparentemente não se observa “defeito” após esse episódio. Normalmente, na esquizofrenia, após o quadro psicótico, o indivíduo tende a apresentar certos prejuízos, como déficit no contato social e diminuição da volição – os chamados sintomas negativos da doença.

 

 Transtorno global do desenvolvimento

Geralmente, não é difícil diferenciar esquizofrenia de TGD, pois a grande maioria dos pacientes com TGD apresentam sintomas logo nos primeiros anos de idade. Na esquizofrenia, as crianças não costumam apresentar problemas na linguagem, comunicação e não apresentam estereotipias.

Mas, apesar de serem quadros distintos da esquizofrenia, alguns pacientes portadores de autismo de alto funcionamento ou Síndrome de Asperger, podem ser confundidos com esquizofrênicos devido às seguintes semelhanças: são crianças ou adolescentes “estranhos”, que podem ter ideias fantasiosas, fora do convencional, com dificuldade na interação social, embotamento afetivo, desenvolvimento neuropsicomotor normal e, às vezes, discurso descontextualizado.

A anamnese e o exame psíquico são fundamentais para se fazer o diagnóstico diferencial, principalmente com a investigação dos antecedentes familiares.

 

 Evolução e prognóstico

A evolução clínica da esquizofrenia é bastante variada e influenciada por fatores, como idade de início, questões individuais e ambientais que irão interferir em seu prognóstico.

Na esquizofrenia, normalmente os pais relatam que o paciente “não voltou a ser o que era antes”, ou seja, não voltou ao estado anterior à crise. Geralmente, percebe-se alguma alteração na afetividade e no pragmatismo, o chamado “defeito” pós-crise.

O prognóstico da doença é reservado, apesar de as novas terapêuticas farmacológicas e orientações psicoeducacionais favorecerem a melhora do paciente.

Fatores de melhor prognóstico: paciente com crítica do seu estado mórbido, início tardio, fator precipitante claro, início agudo, antecedente social favorável, como relacionamentos interpessoais, presença de sintomas depressivos, sintomas positivos (delírios e alucinações) e bom suporte familiar.

Fatores de pior prognóstico: início precoce, não existência de fatores precipitantes, má adaptação social, isolamento, baixo rendimento acadêmico, familiar portador de esquizofrenia, pouco suporte familiar e social, não remissão no período de 3 anos, muitas recaídas. A esquizofrenia na infância tem pior prognóstico principalmente pelo início precoce e pela predominância de sintomas negativos.

 

Exames de imagem

Em uma pesquisa brasileira Ferrari e Cols24 investigaram as anormalidades cerebrais em 15 pacientes com esquizofrenia de início precoce e concluíram que, comparados ao grupo controle, eles apresentam dilatação ventricular mais pronunciada e não houve diferenças em relação à atrofia pré-frontal.

Alguns estudos com ressonância magnética têm revelado diferenças no volume de áreas do lobo temporal e parietal em adultos com esquizofrenia, especialmente redução na porção anterior do complexo amígdala-hipocampo, mais notadamente no lado esquerdo. Essas alterações não são observadas nas crianças e parece que começam a surgir com a adolescência.

 Tratamento

Embora a esquizofrenia não tenha cura, os sintomas podem ser controlados com tratamento interdisciplinar: medicamentos, psicoterapia, terapia familiar, acompanhamento psicopedagógico com orientação escolar, terapia ocupacional, grupos psicoeducacionais, hospital dia e, se necessário, internação.

A psicofarmacoterapia deve ser parte de um plano de tratamento amplo decorrente de uma criteriosa avaliação psiquiátrica da criança.

Na anamnese de adolescentes, deve-se investigar sobre o uso de substâncias como álcool, drogas, convulsões e risco de gravidez.

A obrigatoriedade da avaliação clínica e laboratorial tem por objetivo afastar a possibilidade de etiologia orgânica, fazer diagnóstico diferencial e também de traçar um perfil basal para futuros exames periódicos de controle, como função tireoidiana, hepática, renal, hemograma e eletrocardiograma.

Alguns medicamentos apresentam efeitos colaterais intoleráveis para certos pacientes, assim como efeitos adversos, como cardio, nefro e hepatotoxicidade.

Crianças e adolescentes necessitam frequentemente de doses mais altas de medicação por unidade de peso corpóreo do que os adultos para atingirem as mesmas concentrações sanguíneas e eficácia terapêutica. Acredita-se que dois fatores expliquem essa situação: metabolização hepática mais rápida e filtração glomerular aumentada em crianças. Este último sugere uma depuração renal maior de algumas drogas, o que ajuda a explicar o fato de as dosagens terapêuticas em crianças geralmente não serem diferentes das do adulto.

Estudos indicaram que crianças podem responder a drogas de maneira diferente dos adultos em função de fatores farmacodinâmicos (mecanismo droga-efetor) causados por alterações de desenvolvimento nas vias neurais ou em suas funções. Embora a taxa rápida de biodisponibilidade da droga atinja geralmente os níveis adultos em plena adolescência, clinicamente, isso indica que o médico deve estar alerta para possíveis mudanças na farmacocinética durante a puberdade e preparo para ajustes de doses se necessário. É importante obter níveis de concentração plasmática se houver mudança na eficácia clínica de uma droga quando a criança se torna adolescente.

Os sistemas de catecolaminas não se desenvolvem inteiramente e nem adquirem funcionalidade total antes da idade adulta. A imaturidade desses sistemas também pode explicar o fato de crianças mais novas responderem à medicação de modo diferente de adolescentes mais velhos e adultos no que tange aos afetos e ou ao humor.

A escolha da medicação depende da potência da droga e dos efeitos colaterais. Todas as medicações prescritas produzem melhorias evidentes, contudo, também podem apresentar efeitos colaterais, como sonolência, aumento de peso, tremor, lentificação dos movimentos, contraturas musculares e discinesia tardia a longo prazo.

As medicações antipsicóticas atípicas disponíveis no Brasil atualmente são: Clozapina, Risperidona, Olanzapina, Quetiapina, Aripiprazol e Ziprasidona.  Os antipsicóticos atípicos diferem dos típicos (por exemplo, Haloperidol) porque além de serem bloqueadores dos receptores de dopamina (D2), eles são

bloqueadores significativos dos receptores de serotonina (S2) e isso explica a melhora dos sintomas negativos da esquizofrenia e também acarretando menor risco de discinesia tardia.

 

Orientação familiar e terapia familiar

Uma criança ou adolescente doente, naturalmente leva a um desequilíbrio nas relações familiares, isso acontece de forma bem mais acentuada quando se trata de esquizofrenia. Muitas vezes, um ser doente acaba mobilizando sentimentos variados, como culpa, raiva, medo, vergonha, fracasso, entre outros, os quais necessitam ser trabalhados. Em algumas situações, uma orientação familiar pode ajudar a lidar com tais angústias. Entretanto, nas famílias onde as relações já eram conflituosas, o surgimento de uma criança doente somente favorece a rede de problemas já existente, e a criança não tem a possibilidade de mudanças, sendo necessário um processo de terapia de família com o objetivo de uma melhor compreensão e solução desses conflitos27.

 

 Como os pais devem agir

Primeiramente, os pais devem observar qualquer mudança de comportamento dos filhos. O mais rápido possível procurar saber o que está acontecendo, se é algum problema em casa ou na escola.

O mais importante é ouvir a criança sem fazer julgamento ou crítica e acompanhar diariamente o desenvolvimento desta alteração. Caso não haja melhora e a criança apresente insônia, discurso desorganizado, comportamento bizarro e isolamento, não contrariem nem tentem forçá-la a enxergar a realidade, pois ela precisa de tratamento médico e todo o apoio para superar as dificuldades pertinentes à esquizofrenia.

Por  Eliana Curatolo – Mestre em Psiquiatria Infantil pelo Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência pela Associação Brasileira de Psiquiatria, psiquiatra infantil da Sociedade Pestalozzi de São Paulo, coordenadora do Ambulatório de Esquizofrenia da Infância e Adolescência do SEPIA (HC-FMUSP).

 

Fonte: http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/?p=2139

 

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A neurose do homem

 

O falo será o representante masculino por excelência na concepção psicanalítica. É ele que regulará e ordenará a estrutura neurótica como um todo

Com a pressão do Iluminismo no final do século XIX, diversos estudiosos e artistas começaram a questionar sob outro ângulo o “que é o ser humano?” Durante centenas de anos, a Igreja judaica cristã ditava o saber sobre o que é o “ser” em todas as esferas da vida. Não só o ser humano, mas todos os seres do universo. Com esse saber em mãos, eles procuravam regular a vida de acordo com a ideologia vigente da época, que variava bastante quanto aos meios para garantir que os fiéis seguissem fielmente seus preceitos, reforçando a crença supersticiosa de que há um Deus que criou tudo.

Insatisfeitos com essa resposta religiosa sobre a vida dos seres, os pensadores daquela época imprimiram um ritmo cada vez mais forte de sustentação das explicações sobre a origem do “ser”, o que causou uma relativa ruptura com a primazia do saber religioso. Entre esses pensadores existiram várias correntes, dentre as quais a Psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud, que a inventou como um método de investigação e cura.

Ao iniciar suas investigações sobre a causa e formação dos sintomas histéricos, Freud logo se dá conta de que a histeria é uma forma de se posicionar frente à linguagem, e não é exclusiva das mulheres. Escandaliza e causa grande repúdio por descobrir que também os homens podem ser histéricos. Mas o escândalo, quanto a esse assunto, ainda não tinha chegado ao seu ápice. Freud afirma que as mulheres histéricas desejam inconscientemente ser providas do atributo masculino, o falo. Com isso, arranca a histeria das mulheres e a posiciona como uma estrutura que demanda o ser masculino. Tal ponto de vista jamais foi abandonado por Freud, apesar de ter sofrido grandes pressões por parte de outros campos, a Medicina, a Filosofia, e também dos próprios psicanalistas que o acompanharam, sobretudo das psicanalistas mulheres.

A partir desta concepção, o falo será o representante masculino para a Psicanálise, é ele que regulará a estrutura neurótica como um todo. As variações no entendimento a respeito do falo foram sempre alvo de debates entre os psicanalistas. Mas há um consenso quanto à afirmação de Freud, de que o pênis não é o falo, apesar de que, quando ereto, seja o melhor representante no corpo humano. Para ele, o falo não é o órgão, é a ausência operante, é ter ou não ter o falo. A perda fálica se recupera no esvanecimento do furo do ser, isso é necessário na vivência do masculino e é o que o faz cotejar o gozo da volta da pequena morte,

o orgasmo. Essa função de perda fálica, própria do masculino, lhe dá a prerrogativa, de onde vem a ilusão da pura subjetividade, de que seu corpo está marcado pelo significante. É neste momento evanescente,

quando se perde a ereção, ou seja, quando o instrumento cai, que o homem e a mulher vivenciam a castração e a assunção do falo, como elemento terceiro da relação do casal.

As concepções de Freud e de Lacan a respeito do masculino são todas centradas no falocentrismo, no complexo de Édipo e no complexo de castração.

 

Pai real e pai simbólico

Freud destaca a diferença entre o menino e a menina e suas relações com a mãe, e conclui que o verdadeiro incesto é entre o menino e a mãe. Também enfatiza que há diferenças entre os sexos no tocante ao complexo de Édipo, pois o varão não necessita trocar de objeto para elaborá-lo, uma vez que coincide o objeto que erotizou seu corpo através dos cuidados maternos com o objeto do seu desejo. Ao mesmo tempo em que irá eleger a escolha de objeto, faz a escolha identificatória com o seu próprio sexo. Escolha de objeto apoiado na mãe e escolha identificatória apoiada no pai decorrente do complexo de castração, eis a fórmula do desejo heterossexual masculino. Conquistar a ascensão da posição viril masculina implica necessariamente assumir a castração. Isso se dá por uma relação do real no simbólico, que vem do outro, aquele que é verdadeiramente o pai.

O Édipo enoda a função viril e, para tanto, é necessário haver um mais além do pai simbólico, a presença do pai real, aquele que trepa com a mãe, esse é imprescindível. O pai real que permite o complexo de castração simbólico, que cumpre a função de ameaçar, ao mesmo tempo em que dá amor e permite a aproximação do filho para com ele.

O macho tem o órgão natural e por isso o detém como sua propriedade. Porém sua virilidade virá do outro, nesta relação entre o pai real e o pai simbólico. Portanto, o homem não poderá dizer nada do que significa na verdade ser pai, porque parte desse é da ordem do real, e o único saber que ele tem é que fez parte desse jogo entre a mãe e o filho varão. Somente o jogo de perdas e ganhos entre os três permitirá à criança conquistar a via pela qual se registra a inscrição da lei, dizia Lacan parafraseando Freud.

A Psicanálise freudiana destaca a diferença entre o menino e a menina e suas relações com a mãe, já que conclui que o verdadeiro incesto é entre o menino e a mãe

Isso permite dar um passo a mais no alcance do pai simbólico e dizer que o pai simbólico é o Nome do pai. É ele que mediará o desmame primário e que separará o bebê do incesto com a mãe, consequentemente intervirá sobre sua onipotência. O Nome do pai aqui é o elemento mediador dessa estrutura simbólica.

Destarte o pai simbólico e o pai real serão essenciais na assunção da função sexual viril. Para que o sujeito viva verdadeiramente o complexo de castração, é preciso que o pai real jogue o jogo. O pai deve ocupar sua função de pai castrador, em sua forma concreta, empírica, tirânica, quase degenerada, do pai primevo, assim como no mito freudiano. O pai também tem que cumprir sua função imaginária intolerável, quando se apresenta como castrador, só assim se vive o complexo de castração para o bebê e para a mãe. Portanto, essa ação sobre a relação mãe-bebê tem uma ligação direta com o Ideal do Eu. O Édipo não tem outro sentido. Não há Édipo se não há pai simbólico, real e imaginário!

 

Do desejo à identificação

Estas duas escolhas, de objeto de desejo e de identificação, se dão num golpe só e merecem esclarecimentos, já que não se dão de forma natural, nem tampouco são decorrentes da demanda da cultura, através da classificação dos gêneros, e muito menos são subordinadas à anatomia sexual.

Freud encontra os elementos para discutir a prevalência de um movimento gerado por uma posição singular de cada um na conquista de sua posição sexual, muitas vezes contrariando a influência exercida pela cultura

e pela anatomia. A eleição sexual, segundo Freud, não se dá no nível consciente e sim inconsciente, ele acrescenta que é uma eleição forçada e determinada pelo inconsciente. Com esse esclarecimento, Freud retirou completamente a possibilidade de ações pedagógicas e preventivas para desenvolver uma coerência entre o sexo anatômico, o gênero e a posição sexual inconsciente. Ele afirma que não há harmonia natural entre essas três faces da sexualidade humana. Mas isso não o faz descartar a influência da anatomia e do gênero, até mesmo como fatores que podem causar certo desconforto com a posição sexual inconsciente, por testemunharem uma desarmonia entre as três.

A eleição sexual, segundo Freud, não se dá no nível consciente e sim inconsciente. É uma eleição forçada e determinada pelo inconsciente

Sempre temos que considerar a questão do gênero, uma vez que esse significa os ideais da cultura que se transformam para o sujeito que está constituindo o seu Eu nas demandas do Outro, ou seja, o que o Outro deseja dele para que ele continue a ser amado e não odiado por este Outro? Nessa medida, levar em conta as questões que envolvem a identidade de gênero é sempre importante, não para adequar o sujeito ao que a cultura espera dele, mas para que o sujeito possa saber minimamente o que esperam dele e com isso poder se posicionar no sentido de separar a singularidade dele da universalidade do gênero.

Variações no entendimento a respeito do falo foram sempre alvo de debates entre os psicanalistas

Desconsiderar os fatores anatômicos não é um bom caminho para pensarmos na constituição da sexualidade. Existem fatores milenares que estão em ação e em mutação permanente, que não podem ser colocados de lado. Por exemplo, a pesquisadora de cromossomos sexuais Jennifer Graves, da Universidade Nacional da Austrália, disse que o cromossomo Y – responsável pela determinação do sexo no homem – está morrendo e deve desaparecer nos próximos cinco milhões de anos. E o que acontecerá depois? A cientista disse que a boa notícia é que algumas espécies de roedores – como algumas ratazanas da Europa do leste e ratos do Japão – não possuem nem cromossomo Y nem o gene SRY. O que isso nos mostra? Será que os fatores fenótipos estão modificando os homens ao longo dos anos? Sabemos que alterações afetivas e emocionais podem mudar sensivelmente, por exemplo, os níveis de hormônio masculino, a testosterona. Sabemos também que não somos uma máquina que quando fica velha joga-se fora e coloca-se outra no lugar.

 

Conquistar o signo da posição viril masculina implica necessariamente a castração

 

Logo, o desconforto revela-se pelas exigências que o ser humano sofrerá por parte dos ideais dos pais que representarão, as demandas e os ideais sociais, e, por outro lado, a limitação que os desejos sexuais sofrerão por não estarem em conformidade à sua anatomia. Por exemplo: como integrar simbolicamente a identidade sexual em mulheres que se submeteram a transformação de sexo? É que do ponto de vista

 

PARA SABER MAIS

DESEJO SIGNIFICANTE

O macho tem o órgão natural e por isso o detém como de sua propriedade. Porém sua virilidade virá do outro nesta relação entre o pai real e o pai simbólico

A questão do masculino não se esgotará no desejo como efeito maior do significante. Lacan procurou respostas sobre o gozo fálico masculino e feminino nos quantificadores lógicos de Aristóteles, e nos desdobramentos de Frege e Pierce, já que entende que a lógica é a ciência do real.

A inscrição da castração será determinante no campo do ser para determinar a noção de gozo. Até então, estávamos tratando do campo do sujeito nos desfiladeiros dos significantes e a incidência da castração simbólica sobre o desejo e não sobre o ser. Agora iremos mergulhar no que a Psicanálise pôde até então elaborar do masculino no campo do ser. Ou seja, o que é o ser masculino? Para se afirmar que há um ser masculino, Lacan propõe que há de haver uma negação forclusiva, e não uma negação discordancial. A negação forclusiva segue o princípio da contradição, e corresponde a ou é masculino, ou é feminino. A negação discordancial aceita a contradição, portanto abre um campo de indeterminação, pode ser homem e ser mulher numa mesma proposição. No campo do masculino, sabe-se que ser homem é não ser mulher e o inverso não é verdadeiro. Ser mulher não quer dizer que não seja homem, é isso que nos ensina a negação discordancial. A lógica do homem funciona desde a negação forclusiva, e daí é que se pode extrair o verdadeiro sentido do conhecimento, que quando um homem trepa com uma mulher, ele pode dizer que a conhece, ou seja, a cama é a hora da verdade para um homem, é na cama que ele conhece uma mulher ou na psicose encontra A mulher.

O ser masculino, o gozo fálico masculino, dependerá de que ao menos Um não tenha satisfeito a função fálica, ou seja, não ser castrado, há uma negação a se submeter à castração, isso quer dizer que uma porção do gozo não sofrerá a castração. Isso feito, num mesmo golpe escreve-se o Um fálico, Um do gozo fálico. Assim, essa inscrição da negação forclusiva se deu acidentalmente, possibilitando escrever o Um do gozo fálico como necessário, tomando a forma masculina, e assim podemos dizer que o gozo fálico no masculino é diferente do gozo fálico no feminino.

Tendo esses elementos em vista, podemos acompanhar Lacan na sua tentativa de encontrar uma resposta de como se dá o encontro na cama. Daí suas ironias a respeito do que é ser um homem, ao afirmar que esse só encontra a mulher na psicose, na melhor das hipóteses na loucura, e o cômico do amor entre os dois é que para amá-la ele precisa se fazer mulher naquele encontro, ao mesmo tempo, para desejá-la, ele não pode prescindir de seu instrumento ereto, na posição de homem. Assim, na cama, a fenomenologia nos ensina como o significante é o efeito maior do desejo e causa do gozo. No caso do gozo fálico no masculino, temos que a castração irá incidir na detumescência, fazendo surgir, no momento máximo do gozo do macho, sua própria queda; isso nos explica a relação no macho da angústia com o orgasmo. A perda da ereção como perda fálica se reativa sempre como desvanecimento do furo do Ser, essa experiência masculina possibilita comparar o gozo fálico à pequena morte. Essa função de desaparecimento efêmero, diretamente saboreada no gozo fálico do masculino, dá ao macho o benefício da ilusão de pura subjetividade, já que a sua ereção é causada pelo que a mulher representa para ele. É no instante mesmo do desaparecimento da tumescência que o homem pode perder de vista a presença deste terceiro, o objeto, o falo, e é porque o seu instrumento desaparece é que passa a ser, enquanto marca de uma ausência, o terceiro da relação com a parceira.

 

orgânico, ela se tornou ele, mas ainda tem orgasmos em platô de acordo com a anatomia da mulher e não em ápice como no caso do homem?

Assim, para Freud, o homem se constituirá se o complexo de castração incidir de tal maneira que o faça abandonar o prazer incestuoso com a mãe, causa do seu desejo, promovendo uma substituição por outra mulher, e ao mesmo tempo o faça se identificar com o pai. Portanto, o complexo de Édipo, na cultura ocidental, tem a função de ser o portador do complexo de castração, que introduzirá a lei universal da proibição do incesto, declinando do complexo de Édipo no menino.Para Freud e Lacan, o complexo de Édipo permite que o desejo tome a forma de desejo masculino na heterossexualidade. Lacan diz que para existir um homem é preciso que este tenha uma mãe, e o seu desejo seja orientado a partir da castração.

Portanto, as evidências clínicas mostram que no inconsciente não há homem e mulher, só existe o fálico e o castrado. Homem e mulher já são representantes que fazem parte do discurso. Lacanianamente falando são significantes. Significantes que intentam representar uma posição de gozo fálico para o masculino ou para o feminino.

 

Separação ou união
Lacan lança-se a encontrar respostas para tal questão na topologia dos nós borromeanos.

A pergunta de Lacan já é um nó! Qual será o bom nó entre os corpos? Qual será o nó que permite engatar os Uns de cada Um e fazer Nós? Como, na experiência masculina, o gozo fálico pode não ser um inibidor, um obstáculo para o homem poder gozar do corpo da mulher? A experiência dos relatos de analisantes nos ensina que, numa certa dimensão humana, há possibilidade de bons encontros e esses são marcados por uma separação dos Uns de cada Um, que ninguém é de ninguém, teoricamente: não há Outro do Outro, e que, sobretudo, numa experiência satisfatória dessa magnitude, o falo, como significado do desejo que tem o gozo como sua causa, não é de nenhum dos Uns, muito menos dos dois, mas é instrumento de engate dos corpos de cada Um, fazendo que Um corpo penetre o outro e ambos tenham uma experiência de encontro dos Uns de cada Um. Assim, o falo como significado do desejo, encarnado no pênis ereto, não é dele, uma vez que o que o produziu foi a mulher como causa de seu desejo, ou seja, como sintoma do homem, como condensadora de seu gozo. O pênis ereto elevado ao significante fálico representa o terceiro que está mediando a relação. É isso que proporciona a separação e união ao mesmo tempo do Um, do objeto causa do desejo e do Outro.

As evidências clínicas mostram que no inconsciente não há homem e mulher, só existe o fálico e o castrado

É claro que para ser homem tem que ter o registro do simbólico operando, e é por esse fato que é possível construir um significante novo com o qual o Eu se identificará como homem, já que a designação de homem é um significante que não é da ordem do natural, do gênero e sim da linguagem. Essa será a condição do desejo e do gozo para ele, uma vez que a estrutura da linguagem permitirá enquadrar o seu desejo, enquanto sujeito dividido pelo significante, e o seu gozo, enquanto objeto da pulsão na fantasia, dando um colorido de objeto causa do desejo à mulher.

Mas o fato de o homem ter um simbólico não o faz deixar de girar em círculos, pois sua estrutura é tórica. Para ele nada é impossível, o que ele não consegue fazer, ele larga. No que tange ao amor, o homem, todo-homem, se agarra no imaginário, sem um dizer sobre a verdade, já que seu gozo lhe é suficiente, esse gozo recobre tudo que ele precisa para amar, por isso não entende nada sobre o amor, diferentemente do feminino que não vai sem um dizer da verdade. Portanto, no amor o homem se apoia no imaginário enquanto a mulher no simbólico, daí que Freud diz que o homem precisa amar e a mulher precisa ser amada.

Desse modo, podemos avançar no que é possível que um homem saiba. Espera-se que ele, o todo-homem, desde que assumida a castração, saiba fazer de uma mulher o seu sintoma, saiba se virar com ela e manusear sua relação.

Por Paul Kardous é psicanalista, psicólogo, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Cursou Psicologia Clínica e Psicopatologia na Paris V Sorbonne. Atuou como professor de Psicologia do Usuário e de Comunicação e Semiótica na FAAP. Professor convidado da PUC no Cogeae. É membro da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano. Autor do livro Impotência Sexual: o Real, o Simbólico e o Imaginário (Casa do Psicólogo). Coautor do livro Semiótica Psicanalítica: Clínica da Cultura, organizado por Lucia Santaella e Fani Hisgail (Editora Iluminuras)

REFERÊNCIAS

FERENCZI, S. A pipa, símbolo de ereção. In: Obras completas II

____________. Parestesias da região genital em certos casos de impotência.

FREUD, S. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera amorosa. Obras Completas. Imago Editora.

KARDOUS, P. A Impotência Sexual: o Real, o Simbólico e o Imaginário. Editora Casa do Psicólogo.

STECKEL, W. La Impotencia en el Hombre. Ediciones Imán.

 

Fonte: http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/111/artigo342556-1.asp

 

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Freud explica o Déjà Vu

Você já teve a sensação de ter vivido uma situação antes? Veja a explicação da psicanálise.

 

Nesta semana concluímos mais um Curso em vídeo. Foi muito bom ter tido a oportunidade de estudar com calma e detalhadamente o Psicopatologia da Vida Cotidiana. Durante a faculdade, infelizmente, não temos tempo de ler tudo de tudo e este era um livro que não tinha lido do começo ao fim. E no final, o capítulo mais teórico (digamos assim), tem por título: Determinismo, Crença no Acaso e Superstição – Alguns pontos de vista. Freud explica então alguns de seus pressupostos:

– Todos os fenômenos dentro da psique são determinados, ou seja, desde que investiguemos, encontraremos a causa das associações.

– Os fenômenos externos, por outro lado, são uma mistura de outras causas e acasos. Melhor dizendo, o que acontece fora de nós não necessariamente vai significar alguma coisa.

 

Por exemplo, Freud escreve:

“O romano que desistia de um empreendimento importante ao ver uma revoada de pássaros agourentos tinha razão, portanto, em termos relativos; seu comportamento era compatível com suas premissas. Mas quando renunciava ao empreendimento por ter tropeçado na soleira de sua porta (“un Romain retournerait”), era também, num sentido absoluto, superior a nós, descrentes; era um melhor conhecedor de alma do que nos empenhamos em ser. É que esse tropeço deve ter-lhe revelado a existência de uma dúvida, de uma corrente contrária agindo em seu interior, cuja força, no momento da execução, poderia reduzir a força de sua intenção. De fato só se tem certeza do êxito completo quando todas as forças anímicas unem-se na luta pela meta desejada” (FREUD, 262).

Este é exemplo é bastante instrutivo: o que aconteceu fora – os pássaros agourentos – não significam nada de verdade sobre o próprio sujeito. É como acreditar que passar embaixo de uma escada ou encontrar um gato preto dá azar. Mas quando há o tropeço antes da realização de uma ação relevante, o tropeço, que nada mais é do que um ato falho, pode ter um significado real. Há uma intenção consciente e uma contra-intenção ou uma intenção inconsciente.

  

Em outro trecho, Freud explica a diferença entre a psicanálise e a superstição:

“Portanto, diferencio-me de uma pessoa supersticiosa pelo seguinte:

Não creio que um acontecimento de cuja ocorrência minha vida anímica não tenha participado possa ensinar-me algo oculto sobre a forma futura da realidade; acredito, porém, que uma manifestação inintencional de minha própria atividade anímica de fato revele alguma coisa oculta, muito embora seja algo que só pertence a minha vida anímica [não à realidade externa]; creio no acaso (real) externo, sem dúvida, mas não em casualidades (psíquicas) internas” (FREUD, p. 260).

E é nesta mesma linha de pensamento que há a explicação sobre o déjà vu. Para quem talvez nunca tenha ouvido falar, um déjà vu é a sensação de que já vivenciamos uma cena, um momento antes do momento em que está sendo vivenciado ou enquanto está sendo vivenciado, mas sem saber ao certo aonde, como e quando vivemos a situação. Está presente na impressão de já ter estado em um lugar como uma casa ou uma cidade, sem que realmente se tenha pisado ali.

Déjà vu é uma expressão francesa e significa já visto. Como explicar este tipo de fenômeno? Quem passou por isso certamente gostaria de saber o porquê.

Neste último capítulo do Psicopatologia da vida cotidiana, encontramos duas explicações, embora elas sejam compatíveis entre si. Vejamos:

 

1) O Déjà vu como uma fantasia inconsciente

Apesar de um pouco longo, gostaria de citar integralmente o texto do Freud, com um exemplo que demonstra o seu ponto de vista.

“Uma dama que conta agora trinta e sete anos afirmou ter a mais nítida lembrança de, aos doze anos e meio, ter visitado pela primeira vez algumas colegas de escola no campo e, ao entrar no jardim, ter experimentado a sensação imediata de já haver estado ali antes. Essa sensação se repetiu quando ela entrou nos aposentos da casa, a tal ponto que acreditou saber de antemão qual seria o cômodo seguinte, que vista se teria dele etc. Mas a possibilidade de que esse sentimento de familiaridade devesse sua origem a uma visita anterior à casa e ao jardim, talvez na primeira infância, foi absolutamente excluída e refutada pelas indagações que ela fez a seus pais.

A dama que fez esse relato não estava em busca de nenhuma explicação psicológica, mas via a ocorrência desse sentimento como uma indicação profética da importância que essas mesmas amigas adquiririam mais tarde para sua vida emocional. Entretanto, o exame das circunstâncias em que o fenômeno ocorreu nela mostra-nos o caminho para uma outra concepção.

Na época em que fez essa visita, ela sabia que as meninas tinham um único irmão, que estava gravemente enfermo. Durante a visita, de fato chegou a vê-lo, achou-o com uma aparência muito ruim e disse a si mesma que ele logo morreria. Ora, o próprio irmão dela estivera perigosamente enfermo, com difteria, alguns meses antes; durante sua doença, ela fora afastada da casa dos pais por várias semanas, indo morar com um parente. Ela acreditava que o irmão a havia acompanhado nessa visita ao campo; achava inclusive que essa fora a primeira viagem mais longa dele depois da doença; mas sua memória era estranhamente imprecisa nesses pontos, ao passo que de todos os outros detalhes, em especial do vestido que estava usando naquele dia, ela guardava uma imagem ultraclara.

Para o conhecedor, não haverá dificuldade em concluir desses indícios que, naquela época, a expectativa de que o irmão morresse desempenhara um papel importante nos pensamentos da menina e nunca se tornara consciente, ou então, após o desfecho favorável da doença, sucumbira a um enérgico recalcamento. Se as coisas tivessem terminado de outra maneira, ela teria precisado.

 

usar um vestido diferente, ou seja, um traje de luto. Ela encontrou uma situação análoga na casa das amigas, cujo único irmão corria perigo de morte iminente, o que na verdade sucedeu pouco depois.

Ela deveria ter-se lembrado conscientemente de que ela própria atravessara essa situação poucos meses antes: em vez de se lembrar – o que foi impedido pelo recalque -, transferiu sua sensação de recordar algo para o ambiente que a cercava, o jardim e a casa, e caiu presa da “fausse reconnaissance” de já ter visto tudo aquilo antes, tal como se mostrava. Pelo fato de ter ocorrido o recalcamento podemos concluir que sua expectativa anterior da morte do irmão não estivera muito afastada do caráter de uma fantasia desejante.

Nesse caso, ela teria ficado como filha única. Em sua neurose posterior, ela sofria com a mais extrema intensidade a angústia de perder os pais, por trás da qual, como de costume, a análise pôde revelar um desejo inconsciente com o mesmo conteúdo” (FREUD, p. 267-268)

Portanto, temos a seguinte explicação:

“Dito em termos sucintos, a sensação do “déjà vu” corresponde à recordação de uma fantasia inconsciente” (FREUD, p. 267).

2) O Déjà vu como um sonho anterior

A segunda explicação consiste em que o Déjà vu é, na verdade, o já sonhado, ou seja, diferentemente da explicação anterior, em que o Déjà vu é uma fantasia diurna. Entretanto, a origem – de dia ou de noite – não implica em uma diferença significativa, pois o conteúdo é inconsciente em ambos os casos.

O Dr. Ferenczi é citado por Freud:

“Num de meus pacientes aconteceu algo aparentemente diferente, mas, na realidade, inteiramente análogo. Esse sentimento retornava nele com muita freqüência, mas mostrava regularmente ter-se originado de um fragmento esquecido (recalcado) de um sonho da noite anterior. Portanto, parece que o ‘déjà vu‘ não só pode derivar-se dos sonhos diurnos, como também dos sonhos noturnos.” (FREUD, p. 269).

Conclusão

A explicação da psicanálise sobre o Déjà Vu é de que o conteúdo que é sentido pela consciência é um conteúdo inconsciente que, em outro momento, passou pela consciência em um sonho ou em uma fantasia diurna. Devido ao recalcamento, o conteúdo não está mais disponível à consciência, exceto quando acontece.

por Professor Felipe de Souza | Comportamento, Freud

 

Fonte: https://www.psicologiamsn.com/2015/05/freud-explica-o-deja-vu.html

 

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