Não se vingue. Quem dá o troco é comerciante, mas quem cobra a conta é a vida!

Muitas vezes nessa vida, a gente se vê cheio de vontade (e razão!) de “dar o troco” em alguém que nos enganou e magoou.

Nós nos pegamos desejando que o mal que a pessoa nos fez, volte para ela, na mesma proporção.

Embora não devamos querer vingança ou desejar o pior para alguém, somos humanos, não é mesmo?

E como humanos, somos cheios de imperfeições e está tudo bem. Creio que Deus perdoe esse nosso ímpeto vingativo!

Alguma vez você já teve a sensação de que ser bom e bacana o prejudicou? De que são os espertos e golpistas que se dão bem?

Preocupa não… você não está sozinho! Em algum momento da sua vida, você sentir-se-á injustiçado e com aquela sensação de que foi bobo e ingênuo e que tem que parar de ser assim, daqui por diante.

Mas… você não acha que o mundo já anda muito cheio de malandragem e falsidade? E que a maldade é um meio que não justifica o fim?

Por isso, peço-lhe: aguenta firme aí, pois o mundo precisa é de pessoas boas, com coração limpo e desprovidas de interesses egoístas.

Se arquitetamos uma vingança e a colocamos em prática, talvez consigamos uma alegria breve e fugaz, que pesará nos corações e consciência por um bom tempo, pois não estamos acostumados a prejudicar ninguém!

Acredito, piamente, que DEUS é a melhor testemunha de todas; o travesseiro é o maior tribunal e a consciência, um júri implacável, cujo coração é o juíz.

Portanto, não perca o seu tempo focado na vingança, foque no que a vida está lhe dando, pois, às vezes, o que parece ser uma punição, na verdade é um enorme livramento.

A gente não entende de cara, demora um tempo para assimilar, mas lá na frente, vamos agradecer por termos nos livrado e aberto os olhos para a maldade alheia.

Quem dá troco é comerciante.

Se você “pagar na mesma moeda”, estará apenas igualando-se ao seu ofensor.  Vai descer ao nível dele? Não… porque você tem, exatamente o que ele não tem e nunca terá: CARÁTER.

Então, deixe que ele siga, achando que se deu bem… Não somos nós que vamos cobrar essa dívida, é ela, a VIDA.

Ela não faz fiado. Ninguém sai deste mundo devendo a ela. Aqui fazemos e aqui mesmo pagaremos.

Quanto maior a subida, maior a conta e portanto, maior a queda lá de cima.

E vou lhe dizer, a vida não é muito sutil com os devedores.

Aparentemente pode estar tudo certo, você achando que ele o prejudicou e está ótimo vivendo feliz, mas… vai saber o que acontece na alma do sujeito… a vida tem várias maneiras de cobrar o “pagamento”, e, acredite, as piores maneiras são as interiores, aquelas que ninguém vê.

É o “você” com você mesmo; seus medos, suas angústias. É você virar o seu pior inimigo.

Eu já vi muita gente assim… que fez o que quis, sem pensar nas consequências, que passou por cima de muita gente só pensando no próprio benefício e que no fim das contas, conseguiu tudo o que jurava querer e foi essa, justamente, a grande desgraça de suas vidas. O cara queria muito dinheiro. Abandonou a família, traiu o melhor amigo, fez dívidas ao longo da vida e “cresceu”, “prosperou” e conseguiu muito dinheiro, e seu dinheiro o levou para a ruína, terminou sozinho e pobre. De afeto, de amor, de sentimentos.

O cara traiu a esposa, trocou a família toda porque não aguentava mais a “pressão” e anos depois, aquela família barulhenta e “chata”, era tudo que ele queria no seu leito de hospital.

A garota se casou por interesse. Queria status e fama. Terminou mentalmente doente. Famosa, rica e se odiando, por todos os dias da sua longa vida…

O pai rejeitou o filho e quis sumir no mundo. E conseguiu. Sumiu tanto que quando quis voltar, nunca mais se achou…

Às vezes, conseguir o que se quer é a grande “vingança” da vida.

Pessoas muito gananciosas são muito vazias por dentro. Precisam conseguir coisas a qualquer custo, pois são incapazes de conseguir por mérito próprio. Invejam a vida alheia, pois, no fundo, acham-se indignas da felicidade.

Por mais grana que consigam, são seres profundamente miseráveis.

Não vale a pena dar ibope a eles.

A melhor revanche para um ser sem luz é brilhar. É ser FELIZ e sorrir, quando nos desejam lágrimas! Felicidade é letal para os infelizes natos.

Continue no seu caminho. Continue confiando no Universo! Lembre-se: toda luz forte atrai mariposas, não é por isso que vivemos no escuro! Brilhe!

                                                                                                                   Bruna Stamato

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“Vivemos uma onda de psicopatia no país”, diz Contardo CalligarisContardo

Contardo Calligaris costuma dizer que não deseja uma vida feliz, mas uma vida interessante. Essa virou uma das ideias motivadoras do Fronteiras do Pensamento 2019, que começará no dia 13 de maio com o tema Sentidos da Vida – os pacotes de ingressos já estão à venda (veja detalhes ao final). Autor de livros como Hello, Brasil! e Outros Ensaios e Cartas a um Jovem Terapeuta, o psicanalista e escritor italiano radicado no Brasil será o palestrante de 21 de outubro. Entre seu trabalho em consultório e a atuação na arena pública, Calligaris se tornou um dos intelectuais mais influentes em atividade no Brasil. Na entrevista a seguir, concedida por telefone desde São Paulo, explica o que considera uma “onda de psicopatia” no país, que para ele não começou agora. Também fala sobre sua visão a respeito dos jovens, o que identifica de benéfico nos aplicativos de paquera e por que julga a psicanálise ainda relevante. E, claro, explica o que entende por “uma vida interessante”.

Um dos motes do Fronteiras do pensamento neste ano é uma frase que o senhor costuma dizer: “Não quero ser feliz, quero ter uma vida interessante”. O que é uma vida interessante? E seria possível ter as duas coisas?

É possível estar alegre e de bom humor tendo uma vida interessante? Talvez não em todos os momentos, porque uma vida interessante é uma vida que se permite viver intensamente até as coisas dolorosas e desagradáveis. Quando perguntam como eu gostaria de morrer, respondo que fazendo a experiência da minha morte. Gostaria que alguém fizesse comigo os cuidados paliativos, ou seja, me deixasse sem dor, mas perfeitamente acordado para eu me sentir morrendo. Isso é viver de uma maneira interessante, inclusive o momento da morte. Duvido que, a essa altura (na morte), alguém esteja feliz e alegre. Então, não sei se essas duas coisas, a felicidade e uma vida interessante, vão juntas. Ter a felicidade como propósito, do tipo “o que eu quero na vida é ser feliz”, é a garantia de que você vai ter uma vida medíocre. Por uma razão simples. Dito com uma linguagem um pouco elevada, uma vida interessante é uma vida na imanência, não na transcendência. Ou seja, se o que você espera da sua vida é estar na transcendência, seja ela humana ou divina, se você vive na esperança do amanhã, se vive na esperança de ganhar na loteria, na esperança de ser recompensado depois da morte no além ou, ainda, na esperança de que sua vida de adolescente finalmente começará quando passar no vestibular, bom, essa vida não vai ser interessante. A esperança de ser feliz também é uma forma de transcendência. A única vida interessante é a vida que acontece aqui e agora. Não precisa ser épico, não precisa ser extraordinário, não precisa nada. Precisa da presença efetiva de quem está vivendo. O que faz a diferença é estar no momento. O momento pode ser o pãozinho com manteiga e café na padaria da esquina, pode ser escutar um paciente, ler um livro ou ver um seriado na TV. O importante é estar naquilo, e não na espera do que virá depois.

A única vida interessante é a vida que acontece aqui e agora. Não precisa ser épico, não precisa ser extraordinário, não precisa nada. Precisa da presença efetiva de quem está vivendo.

CONTARDO CALLIGARIS

Conceitos idealizados, como felicidade ou amor perfeito e cara-metade, acabam nos atrapalhando?
Sem dúvida. Todas as formas de idealização, sobretudo de idealização antecipatória, nos atrapalham. Poucas horas atrás, tive uma sessão com uma paciente que estava com muito medo de estar se apaixonando por alguém porque isso eventualmente não daria certo e terminaria. Eu lhe fiz notar que essa é a estrutura da vida. Como ela está segura de que vai morrer (algum dia), então não deveria perder tempo vivendo? Realmente, a nossa relação com a idealização é dessa ordem. Ela alimenta medos, como o medo de viver alguma coisa que não dure. Não sei de onde veio essa ideia maluca de que a duração seria a garantia de qualquer coisa. Há relações que duram dois dias e são mais importantes e marcantes do que casamentos de 15 anos. É engraçado, porque não são ideias antigas. Quando os clássicos, os romanos e gregos, falam sobre o que nós traduzimos como “felicidade”, aquilo tem um sentido muito diferente do nosso. Estão falando de uma certa sabedoria no uso, na administração de prazeres, afetos, amizades e amores. Não estão idealizando da mesma maneira que nós. Isso começou com a ideia do amor romântico, 200 anos atrás, e vai andando nessa direção.

Às vezes, as pessoas falam coisas como: “Tive um relacionamento de 10 anos, mas não deu certo”. Então, podemos pensar que deu certo durante 10 anos.
Se foi bom durante 10 anos, é um recorde (risos).

massacre da escola de Suzano chocou os brasileiros. Como se analisa a motivação desse tipo de crime, que estávamos vendo com mais frequência nos EUA?
Mais ou menos, porque no Brasil também acontece. Realengo (o massacre de Realengo, no Rio) existiu. Foi há oito anos. Certamente nos EUA são mais frequentes, até porque os incidentes que realmente chegam ao noticiário internacional são aqueles com pelo menos sete ou oito mortos. Se o cara tenta matar e fere dois, aquilo nem chega aos jornais brasileiros. Mas é frequente nos jornais americanos. Ao mesmo tempo, o Brasil de fato é atravessado por uma onda de – vou medir minhas palavras – psicopatia que é surpreendente mesmo para os padrões americanos.

Ela (a psicopatia) não está só nos homens políticos mais em vista do país. Está nas redes sociais, no cotidiano, no crime organizado, mas também no crime desorganizado.

CONTARDO CALLIGARIS

O que é essa onda de psicopatia?

É a possibilidade de desconsiderar completamente a vida do outro. Um dos sinais evidentes de psicopatia é quando alguém, na adolescência, começa a massacrar pequenos animais, domésticos ou não, e a torturá-los com indiferença. O fato de que lhe falte uma dimensão de empatia com um ser vivo, mesmo que seja um inseto, ainda mais se for mamífero, é um péssimo sinal para o futuro. Veja a facilidade com a qual os nossos criminosos são capazes de botar fogo numa roda ao redor da cabeça de um repórter da Globo que subiu o morro, a facilidade com a qual alguém é ameaçado de morte, a facilidade com a qual alguém faz o elogio público do grande chefe da tortura durante a ditadura, a facilidade com que alguém deseja a morte de um oponente político por câncer, por exemplo. São sinais de psicopatia. Ela não está só nos homens políticos mais em vista do país. Está nas redes sociais, no cotidiano, no crime organizado, mas também no crime desorganizado. Pense na facilidade com que eu te mato mesmo se você me entrega o celular que eu pedi – e isso não vai me impedir de dormir. É uma onda de psicopatia realmente especial. Acho que deveríamos levar isso em conta como uma especificidade brasileira. A única coisa, aliás, que me faz ser a favor da reforma da lei do desarmamento é que, se realmente o país for psicopata, e declaradamente as relações nesse país forem psicopatas, eu quero me armar. Porque realmente não tem outra saída.

O senhor é a favor do direito de a população andar armada?
Não. Sou a favor de viver em um lugar onde não tenha arma nenhuma e ninguém mate ninguém. Ou então em um lugar onde tenha uma enorme quantidade de armas, como a Suíça, mas ninguém anda armado, e o número de assassinatos é extremamente modesto. Sou a favor disso. Quero dizer que, se eu vivo em um mundo habitado por psicopatas, que matam e podem desejar a minha morte, e mesmo promovê-la impunemente sem ter nenhuma barreira moral interna ao fazer isso, aí eu quero andar armado, porque senão vou ser morto no primeiro dia.

O que ocorre quando alguém vive na transcendência, ou seja, sempre esperando que sua vida comece no amanhã?

A transcendência pode ser qualquer coisa – Deus, o além, a espera do amanhã, o sol do futuro, a primavera do socialismo. Quando você coloca o foco de sua vida na transcendência, torna-se perigoso para você mesmo e para todos os outros. Essa história que parece tão benigna de “eu só quero ser feliz” na verdade é uma careta inquietante, porque é algo que promete qualquer coisa que farei para que isso se realize. No fundo, é a marca de que somos incapazes de viver em um instante. Como somos incapazes de aproveitar a vida que temos quando ela acontece, nos tornamos perigosos para os outros e para nós mesmos.

(A erotização da morte) É a marca do fascismo, porque o fascismo precisou tornar a morte erótica para poder mandar milhões de pessoas para a morte voluntariamente, e conseguiu. Mas essa ideia é tremendamente presente nos jovens.

CONTARDO CALLIGARIS

De que forma?

Um traço importante da psicopatia é a erotização da morte. Quando vivemos a ideia de que o que importa será o amanhã, o que geralmente acontece é que começamos a dar à morte um valor extraordinário, como se fosse um momento no qual eu realmente viverei epicamente a minha vida. Não tem uma música fascista ou nazista que não faça alusão à morte como uma coisa boa ou maravilhosa. E a erotização da morte atravessa todos os últimos 70, 80 ou cem anos, é só fazer uma lista de todos os grupos que se tatuam com caveiras, por exemplo, como se isso fosse a marca de uma especial autenticidade ou glória, como se a morte fosse uma coisa que nos desse dignidade. Isso não passou. É a marca do fascismo, porque o fascismo precisou tornar a morte erótica para poder mandar milhões de pessoas para a morte voluntariamente, e conseguiu. Mas essa ideia é tremendamente presente nos jovens. É um plano homicida, mas também suicida. Do tipo: “Não vou conseguir ser nada do que gostaria. Não vou ser um herói de um game de tiro; não vou me parecer com nenhuma das personagens de novela ou seriado que vejo, mas vou encarnar a morte para os outros e eu mesmo vou go down in flames (“arder em chamas”)”. Essa erótica da morte, que aparece na caveira na cara de um dos atiradores (de Suzano, que postou uma foto com uma máscara de caveira), deve ser considerada importante.

Essa questão tem a ver com o tema da sua conferência no Fronteiras do Pensamento em outubro?
Não vou antecipar muito, mas vou usar essa fala para ter um discurso polêmico para mostrar que não vale a pena a gente acusar a idealização da propaganda, a idealização pela nossa ficção ou a idealização romântica do amor. Tudo isso é verdade, mas a doença, essa doença cujos fenômenos nós vemos se multiplicando agora, está na raiz da nossa cultura.

Da cultura brasileira?

Não. Da nossa cultura ocidental. A psicopatia brasileira é uma consequência. É certamente mais brasileira do que europeia, e existe também nos EUA. Mas os americanos encontraram uma solução. Poderiam ser um país totalmente psicopata, só que acabaram dando uma dignidade e uma força de presença ao braço armado da lei que impõe condições quase morais de existência. A polícia nos EUA não se confunde mais com o crime. Já aconteceu no passado, mas não se confunde mais. Se você está no Rio de Janeiro, vai ver que se confunde. Está difícil distinguir as duas coisas.

Se eu tivesse que falar de doença do século 21, estaria em algum lugar entre a perversão e a psicopatia.

CONTARDO CALLIGARIS

Dizem que a histeria foi a doença do século 19, e a depressão, a do século 20. Caso o senhor concorde com essa premissa, qual é a doença do século 21?
Concordo em parte com a premissa. Não concordo muito com a ideia de que a depressão foi a grande doença do século 20. Tornou-se a grande doença do século 20 porque, a partir do fim do século, em 1990, os antidepressivos fizeram uma grana federal. Então, era necessário que houvesse muitos deprimidos para que aquilo tivesse função. Os laboratórios ficaram muito felizes. Mas se eu tivesse que falar de doença do século 21, estaria em algum lugar entre a perversão e a psicopatia.

Sobre a psicopatia o senhor já comentou. Por que a perversão?
A perversão, do meu ponto de vista, não tem nada a ver com o que chamamos genérica e impropriamente de perversões sexuais. A perversão é uma doença de grupo. Opera quando você desiste dos seus anseios, freios e limites individuais e passa a fazer parte de um grupo para o qual você delega todas as suas preocupações morais. Então, ninguém é perverso, as pessoas se tornam perversas no grupo. Se você lembra ou leu sobre o incêndio do índio Galdino, em Brasília, há mais de 20 anos (em 1997, quando o índio Galdino Jesus dos Santos morreu queimado por cinco jovens), nenhum daqueles guris individualmente teria feito uma cagada dessas. Agora, foi suficiente que fossem cinco para poder fazer isso e achar divertidíssimo. Essa é a perversão. A perversão não é tanto o fato de colocar fogo em um índio, é o fato de entrar em um grupo, mesmo que seja temporário ou de cinco pessoas… Pouco importa que sejam cinco amigos ou o Partido Nacional-Socialista, não faz diferença. É entrar em um grupo que te permita esquecer os freios morais básicos.

(A perversão) Opera quando você desiste dos seus anseios, freios e limites individuais e passa a fazer parte de um grupo para o qual você delega todas as suas preocupações morais.

CONTARDO CALLIGARIS

Há um velho chavão de que os jovens são o futuro do Brasil. Talvez tenha a ver com aquela ideia de transcendência que o senhor criticou. Qual é a probabilidade de os jovens Transformarem alguma coisa no futuro?

Faz 15 anos que atendo só no Brasil, então não teria sentido comparar com os jovens americanos e ainda menos com os europeus. Mas continuo com a mesma crítica. Vejo os jovens de hoje desejando pequeno. A mãe de um dos dois atiradores de Suzano, que é uma mulher pobre e provavelmente se sacrificou para que o filho tivesse o que queria, disse: “Não entendo. Ele tinha tudo que queria”. (A declaração literal foi: “Ele tinha internet, TV a cabo, tinha tudo. E o bobão faz isso?”.) Achei essa frase tão tocante porque poderia ser dita em condições análogas por muitas mães. É como se a gente estivesse sempre no primeiro ano de vida: quando o bebê chora, seja porque não está gostando do sol ou porque o barulho é muito alto, a única coisa que lhe é dada em resposta é comida. Mas é engraçado como esse modelo de alguma forma continua na relação entre pais e filhos. Como somos todos, e não só essa mulher, relativamente surdos ao que as crianças pedem e sempre lhe devolvemos algo que no fundo nunca é tudo o que eles queriam, e às vezes não tem nada a ver com o que queriam. Respondendo à pergunta: não sou otimista sobre o futuro do Brasil, pelo menos não a partir dos jovens que eu vejo em geral. Acho que eles são mal-educados, e não no sentido de não saberem usar a faca na mão direita, isso seria o de menos, mas no sentido de que não aprendem o suficiente na escola. Acho que têm pouco gosto pelo esforço de se formar, crescer e trabalhar. Não sou otimista.

Seria porque os jovens, pelo menos os de classe média, têm uma situação muito mais confortável do que tiveram seus pais? Os pais sabem como é difícil construir uma vida e querem poupar os filhos disso tudo?

Sim. Grande parte das classes médias começou a querer facilitar a vida dos filhos além da conta. Os pais da classe média paulistana, e suponho que não seja diferente de Porto Alegre, ficam horrorizados se o professor supõe que os alunos estudem em casa duas ou três horas por dia. São capazes de telefonar para a escola indignados porque as crianças vão cansar. Não vão poder sair para a rua e se divertir? Eles têm uma relação doentia quando o esforço aparece primeiro. Os pais não querem que os filhos se esforcem. Agora, claro, há algumas exceções.

 

Os pais não querem que os filhos se esforcem. Agora, claro, há algumas exceções.

 

 

CONTARDO CALLIGARIS

A falta de ambição dos jovens seria, nesse caso, reflexo da falta de ambição dos pais?
Sim, claro.

Boa parte da sociedade brasileira está endividada e trabalha contra a máquina. Tirando a parte mais pobre da população, que tem pouca margem, esse problema de poupança do brasileiro teria a ver com a dificuldade em adiar o prazer, ou seja, a necessidade de consumir bens imediatamente e não economizar?

Sem dúvida tem isso, mas essa não é só uma questão brasileira. A especificidade do Brasil é que se trata de um lugar onde não há crédito – há usura. É diferente. Nossos amigos banqueiros vão tentar me convencer de todas as maneiras possíveis do contrário, mas não existe um nível de inadimplência que justifique esse juro ao consumo ou ao crédito pessoal no Brasil. Faça uma experiência. Coloque, sei lá, R$ 50 mil de investimento em um fundo do seu banco. Daí, pergunte ao banco se pode dar esse fundo na garantia de um empréstimo do mesmo valor. Você não vai poder tocar nesse dinheiro, que é seu, mas fica nas mãos do banco, até você ter pago o empréstimo. Essa operação, em qualquer lugar do mundo, tem um juro ridículo, porque a garantia é absoluta. No Brasil, não. Tem um juro abusivo. Então, o problema no Brasil é que as pessoas que consomem dessa maneira são vítimas de um assalto.

A vigilância e o julgamento que vemos nas redes sociais se refletem em angústias no consultório?
Um pouco, mas menos do que eu imaginaria, e talvez menos do que alguns anos atrás. Ouço muito menos os meus pacientes falarem do Facebook deles do que alguns anos atrás. Claro que foi um tempo extraordinário que ainda pode ser analisado como o momento em que todo mundo criou um ou vários avatares, e isso se tornou um tremendo trabalho da imaginação de cada um. Digo avatar no sentido de ser aquela figura que você quer mostrar aos outros. Aquilo teve um efeito tremendo sobre a vida de cada um. Ainda lembro de crianças nos anos 1980 ou 1990, no começo dos jogos de RPG. Quando o avatar de um menino morria em um RPG, aquilo era considerado quase um risco de suicídio do ponto de vista clínico. Era importante ficar de olho no menino, recomendação da própria American Psychological Association. Mas acho que esse tempo passou. Estou vendo um efeito, por outro lado, interessantíssimo, extremamente positivo das redes sociais. Um número de pacientes, sobretudo mulheres, hoje acessam diariamente o Tinder e têm encontros amorosos que podem se transformar em outra coisa, temporária ou não, graças aos aplicativos de paquera. Isso acho altamente positivo. Pense em uma mulher separada há sete anos, sozinha, sem conhecer ninguém, à mercê das amigas que quem sabe lhe apresentarão um amigo do marido, que geralmente é alguém que sobrou no mundo. Ela pode entrar em um aplicativo, sair hoje à noite e transar. Não necessariamente vai ser a transa do século, e às vezes até é. Isso eu acho que foi uma melhora significativa.

É possível que um dia a psicanálise mude de nome, mude também alguns dos fortes teóricos nos quais se baseia. Agora, o dispositivo acho que vai durar.

CONTARDO CALLIGARIS

Fazendo uma provocação: a psicanálise ainda é relevante hoje porque é uma boa visão de mundo ou porque é uma boa ciência?

 (Risos.) Acho que é um bom dispositivo. Não é nem uma visão de mundo, nem propriamente uma ciência. É um bom dispositivo, que tem mais ou menos 3 mil anos. Esse dispositivo da cultura ocidental, que provavelmente acontece também em culturas orientais, é que precisamos de alguém que não seja nem um amigo, nem um parente, para quem possamos falar de nós na esperança de que esse alguém nos diga algo no que nós dissemos que nós mesmos não escutamos. Esse dispositivo tem 3 mil anos. Passou por uma série de figuras que vão desde o confessor até o conselheiro espiritual, até o “amigo” do bar – amigo entre aspas, porque justamente é melhor que não seja um amigo. É possível que um dia a psicanálise mude de nome, mude também alguns dos fortes teóricos nos quais se baseia. Agora, o dispositivo acho que vai durar.

Como o senhor analisa a psique do presidente Jair Bolsonaro?
(Risos.) Adoraria se ele viesse me ver, talvez eu pudesse analisá-lo. Nesse caso, infelizmente, não diria absolutamente nada para você… Não tenho elementos para me aventurar a fazer isso. Ele realmente me desconcerta. A única coisa em que às vezes eu penso é que sua vitória foi para ele mesmo inesperada. O que acho mais surpreendente, mas também deve ser um campo de enorme dificuldade para ele, é a relação com esses três filhos, que me assustam um pouco. Me assustam sobretudo porque normalmente acho que a família não foi criada para ser um lugar em que todos concordam com todos. Ao contrário, a família, como cada um sabe, foi inventada para ser um lugar em que todo mundo discorda. Por isso, ela eventualmente é interessante e educativa. Quando vejo essa família, não são todos, mas pelo menos os três irmãos parecem uma espécie de coalizão partidária ao redor do pai. Isso me assusta. Mas não vou me aventurar a analisá-lo.

Contardo Calligaris

https://gauchazh.clicrbs.com.br/comportamento/noticia/2019/03/vivemos-uma-onda-de-psicopatia-no-pais-diz-contardo-calligaris-c

  

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LUTO ANTECIPADO – um olhar sobre o processo da demência

A palavra demência por si só já é impactante. Pensar sobre tudo que pode acontecer a partir do diagnóstico traz muita dor e sofrimento. Isso é real mas também pode ser visto e vivenciando de outras formas…
Chamamos de elaboração antecipada do luto a consciência, de pacientes e familiares, das perdas e limitações impostas pela doença. Num primeiro momento pode parecer algo muito duro e difícil… porém a insegurança e o medo são muito piores quando lidamos com o desconhecido.
Na perspectiva do paciente essa elaboração ocorre nas fases iniciais. Há a consciência de estar perdendo o controle sobre suas ações e decisões assim como perda da capacidade de realizar suas tarefas do dia a dia. Sente necessidade de ter sempre alguém por perto e muitas vezes não tem consciência que é uma doença inexorável, ou seja, nao acha que irá morrer mas sente necessidade de colocar a vida em ordem.
Na perspectiva da família, cuidadores e amigos há uma certa indignação diante das perdas e são comuns frases como ” ela não era assim” “não acredito que ele está fazendo isso” “que vergonha” “ela sabe sim! Como pode não conseguir fazer?”
Elaborar toda a evolução da doença é ajudar a todos a compreendê-la.
Nas demências o processo do luto antecipado não só permite o cuidador se preparar para a vida após a morte da pessoa amada mas também possibilita o reconhecimento das mini perdas diárias e sua aceitação.
Claro que nada é tão simples…
Ver o curso variável e flutuante do paciente, ora bem ora péssimo, causa angústia e incertezas. Perdas constantes e por vezes ilusórias recuperações mexem com a esperança e claro ver a dependência aumentando traz temor e tristeza.
Mas entender que todo esse processo é o curso esperado da doença e que acima de tudo as complicações como dispneia(falta de ar) , dor, broncoaspirações, agitação e feridas podem ocorrer independente de todos os cuidados
nos traz algo maravilhoso : A CERTEZA QUE VOCÊ NÃO É CULPADO DE NADA!!!
E pra terminar não poderia deixar de colocar a perspectiva do médico. É fundamental que nos coloquemos no lugar do outro e entender como cada um compreende a morte. Para muito além de excelência em manejo clínico é preciso excelência em manejo humano!!
Fica aqui meu convite…
Caminhemos de mãos dadas!

Dra Roberta França
Medicina Geriátrica
De Corpo e Alma
Fonte : www.geriatrarobertafranca.com.br

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CHAPÉU DE FLOR

Aos 20 anos: Ela olha pra si mesma e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, cabelo muito liso, muito encaracolado, decide sair, mas vai sofrendo.

Aos 30 anos: Ela olha pra si mesma e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, cabelo muito liso, muito encaracolado, mas decide que agora não tem tempo pra consertar; então vai sair assim mesmo.

Aos 40 anos: Ela olha pra si mesma e se vê muito gorda, muito magra, muito alta, muito baixa, cabelo muito liso, muito encaracolado, mas diz: pelo menos eu sou uma boa pessoa, e sai mesmo assim.

Aos 50 anos: Ela olha pra si mesma e se vê como é. Sai e vai pra onde ela bem entender.

Aos 60 anos: Ela se olha e lembra de todas as pessoas que não podem mais se olhar no espelho. Sai de casa e conquista o mundo.

Aos 70 anos: Ela olha pra si mesma e vê sabedoria, risos, habilidades. Sai para o mundo e aproveita a vida.

Aos 80 anos: Ela não se incomoda mais em se olhar.
Põe simplesmente um chapéu de flor e vai se divertir com o mundo.

Talvez devêssemos pôr aquele chapéu de flor mais cedo!

                
Mário Quintana
Trecho “Chapéu de Flor

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Geração digital: por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos pais

A Fábrica de Cretinos Digitais. Este é o título do último livro do neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, em que apresenta, com dados concretos e de forma conclusiva, como os dispositivos digitais estão afetando seriamente — e para o mal — o desenvolvimento neural de crianças e jovens.

"Simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento", alerta o especialista em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
As evidências são palpáveis: já há um tempo que o testes de QI têm apontado que as novas gerações são menos inteligentes que anteriores.
Desmurget acumula vasta publicação científica e já passou por centros de pesquisa renomados como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

BBC News Mundo: Os jovens de hoje são a primeira geração da história com um QI (Quociente de Inteligência) mais baixo do que a última?
Michel Desmurget: Sim. O QI é medido por um teste padrão. No entanto, não é um teste "estático", sendo frequentemente revisado. Meus pais não fizeram o mesmo teste que eu, por exemplo, mas um grupo de pessoas pode ser submetido a uma versão antiga do teste.

L DESMURGET
E, ao fazer isso, os pesquisadores observaram em muitas partes do mundo que o QI aumentou de geração em geração. Isso foi chamado de 'efeito Flynn', em referência ao psicólogo americano que descreveu esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverter em vários países.
É verdade que o QI é fortemente afetado por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição, etc. Mas se considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante estáveis por décadas, o 'efeito Flynn' começa a diminuir.
Nesses países, os "nativos digitais" são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, etc.

BBC News Mundo: E o que está causando essa diminuição no QI?
Desmurget: Infelizmente, ainda não é possível determinar o papel específico de cada fator, incluindo por exemplo a poluição (especialmente a exposição precoce a pesticidas) ou a exposição a telas. O que sabemos com certeza é que, mesmo que o tempo de tela de uma criança não seja o único culpado, isso tem um efeito significativo em seu QI. Vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem.
Os principais alicerces da nossa inteligência são afetados: linguagem, concentração, memória, cultura (definida como um corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e compreender o mundo). Em última análise, esses impactos levam a uma queda significativa no desempenho acadêmico.

BBC News Mundo: E por que o uso de dispositivos digitais causa tudo isso?
Desmurget: As causas também são claramente identificadas: diminuição da qualidade e quantidade das interações intrafamiliares, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional; diminuição do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras (lição de casa, música, arte, leitura, etc.); perturbação do sono, que é quantitativamente reduzida e qualitativamente degradada; superestimulação da atenção, levando a distúrbios de concentração, aprendizagem e impulsividade; subestimulação intelectual, que impede o cérebro de desenvolver todo o seu potencial; e o sedentarismo excessivo que, além do desenvolvimento corporal, influencia a maturação cerebral.

BBC News Mundo: Que dano exatamente as telas causam ao sistema neurológico?
Desmurget: O cérebro não é um órgão "estável". Suas características 'finais' dependem da nossa experiência. O mundo em que vivemos, os desafios que enfrentamos, modificam tanto a estrutura quanto o seu funcionamento, e algumas regiões do cérebro se especializam, algumas redes são criadas e fortalecidas, outras se perdem, algumas se tornam mais densas e outras mais finas.

Nossos pais não passaram no mesmo teste de QI que nós, observa neurocientista
Observou-se que o tempo gasto em frente a uma tela para fins recreativos atrasa a maturação anatômica e funcional do cérebro em várias redes cognitivas relacionadas à linguagem e à atenção.
Deve-se ressaltar que nem todas as atividades alimentam a construção do cérebro com a mesma eficiência.

BBC News Mundo: O que isso quer dizer?
Desmurget: Atividades relacionadas à escola, trabalho intelectual, leitura, música, arte, esportes… todas têm um poder de estruturação e nutrição muito maior para o cérebro do que as telas.
Mas nada dura para sempre. O potencial para a plasticidade cerebral é extremo durante a infância e adolescência. Depois, ele começa a desaparecer. Ele não vai embora, mas se torna muito menos eficiente.
O cérebro pode ser comparado a uma massa de modelar. No início, é úmida e fácil de esculpir. Mas, com o tempo, fica mais seca e muito mais difícil de modelar. O problema com as telas é que elas alteram o desenvolvimento do cérebro de nossos filhos e o empobrecem.

BBC News Mundo: Todas as telas são igualmente prejudiciais?
Desmurget: Ninguém diz que a "revolução digital" é ruim e deve ser interrompida. Eu próprio passo boa parte do meu dia de trabalho com ferramentas digitais. E quando minha filha entrou na escola primária, comecei a ensiná-la a usar alguns softwares de escritório e a pesquisar informações na internet.
Os alunos devem aprender habilidades e ferramentas básicas de informática? Claro. Da mesma forma, pode a tecnologia digital ser uma ferramenta relevante no arsenal pedagógico dos professores? Claro, se faz parte de um projeto educacional estruturado e se o uso de um determinado software promove efetivamente a transmissão do conhecimento.
Porém, quando uma tela é colocada nas mãos de uma criança ou adolescente, quase sempre prevalecem os usos recreativos mais empobrecedores. Isso inclui, em ordem de importância: televisão, que continua sendo a tela número um de todas as idades (filmes, séries, clipes, etc.); depois os videogames (principalmente de ação e violentos) e, finalmente, na adolescência, um frenesi de autoexposição inútil nas redes sociais.

BBC News Mundo: Quanto tempo as crianças e os jovens costumam passar em frente às telas?
Desmurget: Em média, quase três horas por dia para crianças de 2 anos, cerca de cinco horas para crianças de 8 anos e mais de sete horas para adolescentes.

Uma criança de 2 anos passa quase três horas por dia em frente às telas, em média
Isso significa que antes de completar 18 anos, nossos filhos terão passado o equivalente a 30 anos letivos em frente às telas ou, se preferir, 16 anos trabalhando em tempo integral!
É simplesmente insano e irresponsável.

BBC News Mundo: Quanto tempo as crianças devem passar em frente a telas?
Desmurget: Envolver as crianças é importante. Eles precisam ser informados de que as telas danificam o cérebro, prejudicam o sono, interferem na aquisição da linguagem, enfraquecem o desempenho acadêmico, prejudicam a concentração, aumentam o risco de obesidade, etc.
Alguns estudos mostram que é mais fácil para crianças e adolescentes seguirem as regras sobre telas quando sua razão de ser é explicada e discutida com eles. A partir daí, a ideia geral é simples: em qualquer idade, o mínimo é o melhor.
Além dessa regra geral, diretrizes mais específicas podem ser fornecidas com base na idade da criança. Antes dos seis anos, o ideal é não ter telas (o que não significa que de vez em quando você não possa assistir a desenhos com seus filhos).
Quanto mais cedo forem expostos, maiores serão os impactos negativos e o risco de consumo excessivo subsequente.
A partir dos seis anos, se os conteúdos forem adaptados e o sono preservado, o tempo em frente a tela pode chegar até meia hora ou até uma hora por dia, sem uma influência negativa apreciável.
Outras regras relevantes: sem telas pela manhã antes de ir para a escola, nada à noite antes de ir para a cama ou quando estiver com outras pessoas. E, acima de tudo, sem telas no quarto.
Mas é difícil dizer aos nossos filhos que as telas são um problema quando nós, como pais, estamos constantemente conectados aos nossos smartphones ou consoles de jogos.

BBC News Mundo: Por que muitos pais desconhecem os perigos das telas?
Desmurget: Porque a informação dada aos pais é parcial e tendenciosa. A grande mídia está repleta de afirmações infundadas, propaganda enganosa e informações imprecisas. A discrepância entre o conteúdo da mídia e a realidade científica costuma ser perturbadora, se não enfurecedora. Não quero dizer que a mídia seja desonesta: separar o joio do trigo não é fácil, mesmo para jornalistas honestos e conscienciosos.
Mas não é surpreendente. A indústria digital gera bilhões de dólares em lucros a cada ano. E, obviamente, crianças e adolescentes são um recurso muito lucrativo. E para empresas que valem bilhões de dólares, é fácil encontrar cientistas complacentes e lobistas dedicados.

OHSUMI/GETTY IMAGES
Recentemente, uma psicóloga, supostamente especialista em videogames, explicou em vários meios de comunicação que esses jogos têm efeitos positivos, que não devem ser demonizados, que não jogá-los pode ser até uma desvantagem para o futuro de uma criança, que os jogos mais violentos podem ter ações terapêuticas e ser capaz de aplacar a raiva dos jogadores, etc.
O problema é que nenhum dos jornalistas que entrevistaram esse "especialista" mencionou que ela trabalhava para a indústria de videogames. E este é apenas um exemplo entre muitos descritos em meu livro.
Isso não é algo novo: já aconteceu no passado com o tabaco, aquecimento global, pesticidas, açúcar, etc.
Mas acho que há espaço para esperança. Com o tempo, a realidade se torna cada vez mais difícil de negar.

BBC News Mundo:Há estudos que afirmam, por exemplo, que os videogames ajudam a obter melhores resultados acadêmicos…
Desmurget: Digo com franqueza: isso é um absurdo.
Essa ideia é uma verdadeira obra-prima de propaganda. Baseia-se principalmente em alguns estudos isolados com dados imprecisos, que são publicados em periódicos secundários, pois muitas vezes se contradizem.
Em uma interessante pesquisa experimental, consoles de jogos foram dados a crianças que iam bem na escola. Depois de quatro meses, elas passaram mais tempo jogando e menos fazendo o dever de casa. Suas notas caíram cerca de 5% (o que é muito em apenas quatro meses!).
Em outro estudo, as crianças tiveram que aprender uma lista de palavras. Uma hora depois, algumas puderam jogar um jogo de corrida de carros. Duas horas depois, foram para a cama.
Na manhã seguinte, as crianças que não jogaram lembravam cerca de 80% da aula em comparação com 50% das que jogaram.
Os autores descobriram que brincar interferia no sono e na memorização.

BBC News Mundo: Como o Sr. acha que os membros dessa geração digital serão quando se tornarem adultos?
Desmurget: Costumo ouvir que os nativos digitais sabem "de maneira diferente". A ideia é que embora apresentem déficits linguísticos, de atenção e de conhecimento, são muito bons em "outras coisas". A questão está na definição dessas "outras coisas".
Vários estudos indicam que, ao contrário das crenças comuns, eles não são muito bons com computadores. Um relatório da União Europeia explica que a baixa competência digital impede a adoção de tecnologias educacionais nas escolas.

Outros estudos também indicam que eles não são muito eficientes no processamento e entendimento da vasta quantidade de informações disponíveis na internet.
Então, o que resta? Eles são obviamente bons para usar aplicativos digitais básicos, comprar produtos online, baixar músicas e filmes, etc.
Para mim, essas crianças se assemelham às descritas por Aldous Huxley em seu famoso romance distópico Admirável Mundo Novo: atordoadas por entretenimento bobo, privadas de linguagem, incapazes de refletir sobre o mundo, mas felizes com sua sina.

BBC News Mundo: Alguns países estão começando a legislar contra o uso de telas?
Desmurget: Sim, especialmente na Ásia. Taiwan, por exemplo, considera o uso excessivo de telas uma forma de abuso infantil e aprovou uma lei que estabelece multas pesadas para pais que expõem crianças menores de 24 meses a qualquer aplicativo digital e que não limita o tempo de tela de meninos entre 2 e 18 anos.
Na China, as autoridades tomaram medidas drásticas para regulamentar o consumo de videogames por menores: crianças e adolescentes não podem mais brincar à noite (entre 22h e 8h) ou ultrapassar 90 minutos de exposição diária durante a semana (180 minutos nos finais de semana e férias escolares).

BBC News Mundo: O Sr. acredita que é bom que existam leis que protegem as crianças das telas?
Desmurget: Não gosto de proibições e não quero que ninguém me diga como criar minha filha. No entanto, é claro que as escolhas educacionais só podem ser exercidas livremente quando as informações fornecidas aos pais são honestas e abrangentes.
Acho que uma campanha de informação justa sobre o impacto das telas no desenvolvimento com diretrizes claras seria um bom começo: nada de telas para crianças de até seis anos de idade e não mais do que 30-60 minutos por dia.

BBC News Mundo: Se essa orgia digital, como você a define, não para, o que podemos esperar?
Desmurget: Um aumento das desigualdades sociais e uma divisão progressiva da nossa sociedade entre uma minoria de crianças preservadas desta "orgia digital" — os chamados alfas do livro de Huxley —, que possuirão, através da cultura e da linguagem, todas as ferramentas necessárias pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioria de crianças com ferramentas cognitivas e culturais limitadas — os chamados gamas na mesma obra —, incapazes de compreender o mundo e agir como cidadãos cultos.
Os alfas frequentarão escolas particulares caras com professores humanos "reais". Já os gamas irão para escolas públicas virtuais com suporte humano limitado, onde serão alimentados com uma pseudo-linguagem semelhante à "novilíngua" de (George) Orwell (em 1984) e aprenderão as habilidades básicas de técnicos de médio ou baixo nível (projeções econômicas dizem que este tipo de empregos serão super-representados na força de trabalho de amanhã).
Um mundo triste em que, como disse o sociólogo Neil Postman, eles vão se divertir até a morte. Um mundo no qual, através do acesso constante e debilitante ao entretenimento, eles aprenderão a amar sua servidão. Desculpe por não ser mais otimista.




Talvez (e espero que sim) eu esteja errado. Mas simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento.


Irene Hernández Velasco
Especial para BBC News Mundo



FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/geral-54736513