O analfabetismo emocional

Até mais ou menos o ano de 2006, eu era um analfabeto emocional. Diferente do analfabetismo comum onde a pessoa tem consciência de que não sabe escrever, o analfabeto emocional não tem a percepção da sua falta de conhecimento.

O que é então ser um analfabeto emocional? É desconhecer coisas básicas sobre o que são as emoções, como elas funcionam, como influenciam a nossa vida em todas as áreas. O que aprendemos durante a nossa formação escolar diz respeito de forma geral ao intelecto. Aprendemos e desenvolvemos o raciocínio lógico, a memória, a capacidade de aprender conceitos sobre coisas do mundo. O analfabeto emocional investe apenas no aumento da sua capacidade intelectual pois pensa que isso é o mais importante.

Esse aprendizado é útil, entretanto, fica faltando algo vital, que entendo como mais importante e que irá influenciar nossa vida de uma forma mais profunda. Formamos seres humanos dotados de uma grande capacidade intelectual mas que não conseguem criar uma vida feliz, em paz, próspera e saudável.

Tive uma boa educação e sempre fui considerado uma pessoa inteligente. Entretanto, minha vida profissional se tornou um caos e a ansiedade me consumia. Se eu era tão inteligente isso não era para acontecer. A maioria pensa que a única coisa que podemos fazer para ajudar um ser humano a ser feliz e bem-sucedido na vida é dar uma boa educação formal e uma boa educação caseira. A educação que temos em casa é fortemente contaminada pela negatividade dos nossos pais, que eles acabam nos passando de forma inconsciente.

São essas as ferramentas que damos às crianças até que completem sua formação. A partir daí, temos a ilusão de que a pessoa tem toda a base que interessa e assim ela terá condições seguir na vida de forma satisfatória. Se ela não consegue o resultado esperado não compreendemos a razão.

Apesar de ter tido uma boa educação, eu desconhecia sobre os aspectos emocionais, e o quanto essa área em desequilíbrio sabotava a minha vida. Talvez eu tivesse uma leve noção sobre essa influência, mas eu pensava que ela era mínima. Eu achava que se eu estudasse mais e tomasse as atitudes que me parecessem mais lógicas, eu encontraria as soluções. Só que as minhas ações e escolhas eram totalmente influenciadas pelo estado emocional, inconscientemente, e eu não tinha a menor ideia disso. A escolha da profissão, dos relacionamentos e as atitudes tomadas no dia a dia eram mais reflexo do meu estado emocional interior do que da minha inteligência.

A forma como eu lidava com a vida, de uma forma sutil e inconsciente, levava a mais e mais resultados negativos. Eu não percebia os erros que eu cometia. Tudo o que eu sabia é que as coisas davam errado e mais sofrimento surgia. E as razões por trás de tudo isso? Eu nem sabia que haviam razões. Parecia acaso, má sorte, qualquer coisa, só não parecia que tinha uma explicação tão óbvia como eu consigo enxergar hoje.

Depois de muito sofrimento e de não entender o porque tudo dava tão errado, percebi que somente estudar e ser inteligente não era o suficiente. Despertou, então, o interesse pelo autoconhecimento. Comecei então um lento e gradual processo de alfabetização emocional. Aprendi muito com Gary Craig, criador da *EFT – Emotional Freedom Techniques – É a autoacupuntura emocional sem agulhas.

Durante esse aprendizado foi ficando cada vez mais claro pra mim o quanto as crenças que eu carregava, e os problemas de autoestima (muitos que eu nem sabia que tinha) estavam criando resultados negativos. Somente a inteligência intelectual jamais seria capaz de me levar a bons resultados. Pela primeira vez, eu comecei a entender profundamente que eu era o criador de tudo aquilo e que precisa curar muitas coisas dentro de mim para que a minha vida mudasse. E foi o que aconteceu. Passando por diversos processos terapêuticos, lendo livros, textos na internet, vídeos, meditação e outras coisas, o interior foi mudando e o resultado foi aparecendo em todas as áreas: melhora da saúde física, dos relacionamentos, da parte profissional, diminuição da ansiedade.

O analfabeto emocional não tem uma consciência profunda de que quando a sua vida não está indo bem, ele é a única pessoa que pode mudar a situação e que somente curando o seu interior sua vida vai mudar. Ele normalmente vai achar que são fatores externos a ele são os principais responsáveis pela sua infelicidade: seus pais, seu sócio, sua mulher, o Brasil, a cultura da cidade, o governo. Na sua lógica inconsciente, são esses fatores que precisam mudar para que ele seja feliz. Ele mesmo gerou muito sofrimento para si mesmo e não percebe. Não criou de forma proposital, mas sim inconscientemente. Mesmo assim, ele é o responsável.

O analfabeto emocional também não sabe que ele cria suas doenças físicas a partir de sentimentos negativos que vão se acumulando dentro de si. Toda emoção negativa é produzida quimicamente pelo nosso corpo e afeta a nossa fisiologia gerando: tensão nos músculos, alteração dos hormônios, mudança do PH sanguíneo. Sentimentos vão ficando guardados dentro de nós e se somando até que começam a provocar reflexos mais visíveis na parte física: diabetes, pressão alta, câncer, doenças de pele, alergias, doenças cardíacas etc.

É muito provável que a pessoa desenvolvida intelectualmente, mas analfabeta emocionalmente fique com raiva de mim ao ler esse texto. Pois ela tem certeza de que as doenças são causas por fatores externos, e que se sua vida está mal em outras áreas, a maior causa está em coisas fora do seu interior. Seu ego defenderá a posição da vítima, que gera muito sofrimento e não permite que a pessoa mude, mas é o que ela está acostumada a ser.

Seria muito bom que aprendêssemos desde criança a perceber nossos sentimentos. Saber o que é raiva, o medo, a culpa, a frustração. Perceber a manifestação física dessas emoções. Sim, toda emoção quando surge provoca um desconforto no corpo, é a sua química afetando a fisiologia. Deveríamos aprender como os sentimentos negativos sabotam a nossa vida de forma inconsciente, influenciando nossas escolhas. Poderíamos aprender na escola sobre crenças limitantes, quais são e como elas nos prejudicam. Se aprendêssemos a detectar aspectos da autoestima baixa, jogos de manipulação familiar, padrões negativos que se repetem, teríamos muito mais condições de nos libertamos dessa negatividade. Mas nossos pais e professores também são analfabetos emocionais, eles não sabem lidar com nada disso. Normalmente, só vamos aprender na idade adulta, depois de muito sofrimento, buscando professores nessas áreas através de livros, palestras, vídeos e terapeutas.

André Lima

Fonte: http://somostodosum.ig.com.br/clube/artigos.asp?id=29496

 

 

 

Psicanálise e Educação: construção de conhecimento, subjetividade e performance

Qual as interfaces entre Psicanálise e Educação? Em que pontos elas se encontram? Como permitir que a realidade de fantasias da criança não se perca diante da necessidade de aquisição de conhecimento científico? A lógica racional é incompatível com o universo da imaginação infantil?

De perspectivas diferentes, a Educação e a Psicanálise se ocupam do desenvolvimento humano e o diálogo entre as duas áreas tem se mostrado cada vez mais profícuo. A construção do conhecimento e a constituição subjetiva são processos que se comunicam, ao longo do crescimento. Daí a importância de refletirmos sobre essa interface.

Essas e outras questões serão debatidas na 4ª Jornada de Psicanálise e Educação, no dia de 27 de setembro, na sede da SBPSP.

Para quem quiser saber mais, leia abaixo a ótima conversa que tivemos com as psicanalistas e membros da SBPSP, Heloisa Ditolvo, Marina Bilenky e Silvia Deroualle, coordenadoras da Jornada.

1 – Por que uma jornada que reúne os temas psicanálise e educação?

A psicanálise e a educação são áreas de estudo que abordam questões que possuem intersecções. Ambas se interessam pelo desenvolvimento humano, partem de diferentes  perspectivas, porém dialogam muito bem, por entenderem a necessidade de se cuidar e de se criar condições favoráveis para que este desenvolvimento aconteça.

2 – Quais as principais interfaces entre ambas?

A escola está ocupada com a construção do conhecimento, formação da cidadania e da ética, de um ser social e criativo. A escola funciona como mecanismo de transmissão da cultura.

A psicanálise vai criar um campo de busca de conhecimento do sujeito, de suas demandas pessoais. Para isto, precisa pensar o indivíduo dentro de sua realidade, interna, e da realidade social, externa, para que possa instrumentalizar esse indivíduo portador dessa cultura, a ser reflexivo, crítico, pleno de suas potências, criativo.

Partindo de direções opostas, ambas procuram entender e trabalhar com o ser humano que vive dentro de uma cultura que lhe é própria.

3 – Do ponto de vista da psicanálise, como se dá a construção do conhecimento?

Diante de uma novidade, o sujeito passa por um processo de desestabilização. A partir desse desequilíbrio, ele precisará elaborar a nova informação, integrá-la ao conhecimento que já havia adquirido, atingindo uma nova estabilização, agora transformada e enriquecida.

Para que esse processo ocorra, o sujeito, num primeiro momento, precisa suportar manter-se num estado de não saber para, em seguida, encontrar um sentido e um lugar para este novo conteúdo, que passa a fazer parte do conjunto de conhecimentos que ele possui.

As informações recebidas precisam vir acompanhadas de significado para quem as recebe, e a partir daí se vinculam afetivamente ao sujeito. Esse patrimônio vai sendo constituído a partir de permanentes rupturas dos antigos saberes.

4 – Como ensinar uma criança a pensar, do ponto de vista da lógica racional, sem que ela perca aquilo que é da ordem da imaginação e do sonho?

Até mais ou menos 7 anos, a criança vive num mundo de fantasias. É a partir de sua imaginação, sonhos, brincadeiras e projetos que ela experimenta o mundo e vai construindo a realidade. O adulto deve aceitar o funcionamento da criança, partir da lógica que existe na fantasia para ensinar a lógica racional. Ao invés de dizer que algo é “besteira” ou errado, tentar compreender qual a lógica que norteou aquela resposta, para então apresentar outras possibilidades.

Por exemplo: uma criança, ao executar sua tarefa de escola em que lhe foi pedido desenhar 3 frutas diferentes na tigela, desenha 7 frutas.  A professora pode garantir o conhecimento aritmético de unidades, e também descobrir junto com seu aluno qual o sentido das outras 4 frutas que ele espontaneamente acrescentou à tarefa pedida. Dessa maneira, pode perceber se há ou não alguma outra lógica na resposta da criança, sem a necessidade de taxar a resposta de errada sem investigação.

5 – É possível conciliar o pensamento infantil com o conhecimento científico?

Quando Isaac Newton descobriu como a refração da luz branca solar incidindo na  atmosfera úmida provoca o arco-íris, não retirou a surpresa e o encanto que nos provoca a visão das cores que se descortinam diante de nossos olhos. Nem tampouco desfez  a fantasia de que o arco-íris ao tocar o chão, indica o local exato de onde se encontra um baú repleto de tesouros.

6 – Como evitar “enquadrar” o pensamento infantil e perder suas melhores qualidades?

Evitando dar  regras que formatem o curso do pensamento e taxar de erradas respostas que não se enquadram ao modelo de forma imediata.

Meltzer, psicanalista, afirma que nossa mente tem a função de gerar metáforas para podermos escrever a poesia e pintar o quadro de um mundo repleto de significados das nossas paixões relacionadas às belezas do mundo.

Essas metáforas são essenciais para o pensamento, são a expressão do desenvolvimento do simbólico, das associações, matéria prima para o aumento da capacidade de elaboração e consequente compreensão do mundo.

7 – Como manter e até incentivar a narrativa infantil e conciliá-la com a necessidade do discurso científico?

Garantindo situações que favoreçam a liberdade de perguntar, de exercer a curiosidade. É essencial sermos sujeitos da nossa experiência. Há que se garantir o projeto, a experimentação, o engano, a dúvida, o erro e a reparação, para podermos nos lançar em outras experiências. Quando somos autorizados a expressar ideias e a refletir, quando sentimos que nosso pensamento tem valor, continuamos formulando novas perguntas e demonstrando interesse em aprender novas formas de pensamento, inclusive o discurso científico.

A arte, o sonho e a fantasia são elementos que enriquecem a concepção do humano, ilumina e dá valiosas contribuições no sentido de suportarmos o impacto do cotidiano da vida. Quando isto está minimamente garantido, o indivíduo tem condições intelectuais e emocionais de lançar-se na aventura do conhecimento científico.

8 – Como conciliar a construção adequada de conhecimento com as necessidades do mundo atual, que exige, de todos, altas performances?

Será que podemos conciliar estas realidades? A exigência de eficiência a toda prova vai na contramão da construção de conhecimento tal como viemos tratando até aqui. A velocidade dos acontecimentos, a demanda por absorver inúmeras e tão variadas informações, objetivo praticamente impossível de ser cumprido, nos coloca num estado de insatisfação crônica

que nos leva ao sentimento de estarmos permanentemente devendo ou de sermos insuficientes.

Nossa natureza carece de tempo e espaço para sentirmos, pensarmos, e refletirmos para compreendermos o que se passa dentro e fora de cada um de nós.

Talvez a saída para esse impasse seja uma reflexão profunda a respeito de  qual aspecto deve ser priorizado em cada etapa do processo educacional.

9 – O que dizer do alto índice de medicalização que existe entre as crianças e os jovens atualmente?

A medicalização precisa ser entendida como uma ferramenta auxiliar e não como a solução de todos os problemas e dificuldades que precisam ser enfrentados.

Em recente pesquisa constatou-se que, nos últimos 3 anos, houve um aumento de 775% no uso de Ritalina para crianças  e adolescentes em São Paulo. Precisamos analisar estes números para pensar se estamos nos defrontando com uma atitude de banalização da medicação ou se isso se deve à melhoria nos diagnósticos do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Esta é uma das perguntas que esperamos poder responder durante a Jornada.

Heloisa Helena Sitrângulo Ditolvo é psicanalista e membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Marina Kon Bilenky é psicanalista e membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

 Silvia Martinelli Deroualle é psicanalista e membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)

Fonte: http://psicanaliseblog.com.br

O juiz, o psicanalista e o estado de exceção

Dorothee Rüdger

Palavras cortam feito lâminas. Sentenças e atos são decisões que recortam o mundo das normas e dos fatos. E nada mais será como antes. Saindo da sala de audiência ou do consultório do psicanalista, o demandante sabe que algo aconteceu ali, algo que rompeu com a mesmice, com a rotina, com o dia-após-dia, com o previsível, o explicável, com a ordem estabelecida.

Juiz, se for juiz e não um mero aplicador de leis, sabe do hiato entre o fato e a norma, entre a regra e a exceção, entre a teoria e a práxis, a validez e a eficácia, a legalidade e a legitimidade. Psicanalista que é psicanalista estudou as falhas na linguagem, falhas essas, por onde transparece o inconsciente, como nos ensinou Sigmund Freud. Sabe da radical diferença entre a cultura e o sujeito, entre o masculino, escravo da lei edípica que todos são obrigados a cumprir, e o feminino , a exceção, a invenção, como ensinou Jacques Lacan.

Decisões. Juizes e psicanalistas tomam decisões. Cometem atos, muitas vezes dolorosos, que implicam os sujeitos, que os responsabilizam.

A decisão do juiz, da jurisdição, diz da justiça que só se faz por meio da força da lei, como diz Jacques Derrida. Essa força está instalada no direito, pois sem a força da lei, a norma resta letra morta. Os revolucionários franceses fizeram da força da lei sua pedra angular. Sem força não há lei, não há ordem, não há direito. A justiça contrasta com o direito. Situada no hiato entre a lei e o mundo vivo, entre a norma e os fatos, desmistifica o direito, desconstrói sua universalidade, seu cálculo, sua linguagem neutra. Justiça é feita caso a caso. A decisão do juiz é sempre subjetiva. Sujeito da história, o juiz faz história, porque cada decisão rompe o sistema do cálculo normativo para criar algo novo: uma nova situação, um novo direito.

Como não consegue agradar a gregos e troianos, a justiça provoca dessimetrias e, portanto, mudanças violentas no estatuto das partes. Assim, o ato do juiz, a decisão judicial, desconstrói constantemente o direito, ele próprio fruto do ato da força.

Justiça nos angustia. Desconhecida por natureza, infinita e incalculável, ela é “rebelde à regra”, permanece um “desejo no horizonte”, como quer Jacques Derrida. O juiz que é juiz, é um rebelde. Não bate o martelo em cima da mesa para restabelecer a ordem, mas cinde solitariamente e solidariamente os arrazoados das partes. Revoluciona o mundo simbólico da norma, desmistifica o imaginário pelo qual “a cada um se atribui o que é seu” e, pelo qual, “a justiça tarda mas não falha”. Aplicando a justiça, o juiz toca o real, aquilo que “não tem lei”, como diz Jacques Lacan. Assim, a justiça situa-se na falha da intersecção entre os três registros do nó borromeano. É sempre exceção, algo que excede. Por isso mesmo, nunca pode ser feita para todos, permanece um desejo vivo.

Carregando consigo a violência, o direito está prenhe de seu próprio paradoxo: force de loi (força da lei) para os franceses, Staatsgewalt (violência do Estado) para os alemães. A garantia da lei é a não lei, a força, o estado de exceção. Este pode ser um Estado de exceção com “E” maiúsculo. Pode ser também um estado de exceção com “e” minúsculo. Dependendo de nossas escolhas políticas (Carl Schmitt que o diga!), o Estado de exceção transfere para um ditador a soberania , a capacidade de decidir na zona cega da validade da norma para, desta maneira, garantir a ordem. Por outro lado, se acreditarmos às palavras de Giorgio Agamben, pela lógica do estado de exceção, é permitido ao povo favelado cavar dutos de água potável clandestinos e puxar luz com gambiarras na rede elétrica. Diante da necessidade, a norma é suspensa. O que vale é a (não) lei da sobrevivência. Justiça se faz pela rebeldia. E as falhas na rede de água potável corroem o morro.

A falha é a razão de ser da psicanálise desde Sigmund Freud. Afasias, atos falhos, chistes, sonhos e sintomas, enfim, o mau funcionamento do nosso aparelho de linguagem, são, como diz, as portas de saída do inconsciente habitado pro desejos recalcados pela culpa que a lei edípica nos proporciona. Para Sigmund Freud, nossa cultura constrói-se a partir do recalque de nossas pulsões de vida e de morte. O resultado é um tremendo mal-estar perante a cultura. Para espantar o mal-estar fazemos de conta que encontramos na cultura soluções para nossos males. Para cada doença um remédio, para cada ato criminoso um tipo penal, para cada problema uma solução. Assim nos ensinam nas universidades. As contradições na sociedade resolvem-se pela síntese dialética, divulgam os revolucionários marxistas. A cultura e sua ordem nos contêm. Exigem um preço alto: neuroses, psicoses e perversão nos lembram como a ordem cultural é furada.

Para além do Édipo, o buraco é mais embaixo. Se para a psicanálise cada caso é um caso, a classificação dos pacientes em neuróticos, psicóticos e perversos pode apenas auxiliar o psicanalista a realizar algo que o aproxima do juiz: tomar uma decisão.

Decide sobre a questão se o paciente é analisável, decide os rumos que o caso poderia ter, seu direcionamento, decide, enfim, o ato que suspende a fala do paciente e que o desloca do lugar onde se encontra. Para tanto, tem que ser rebelde à lógica, desconfiar da norma e cortar com a lâmina da palavra o discurso estabelecido. O psicanalista deixa desnudo o estado de exceção, estado sem lei, para dar passagem ao desejo. Para o psicanalista todos os pacientes são diferentes, são como se fossem uma mulher que, avessa á estandardização, constantemente se inventa, como diz Jorge Forbes.

Quando um cidadão preterido em seus direitos provoca o poder judiciário, o juiz decide, embora na base da lei, em nome da justiça, eterna rebelde à regra. A responsabilidade é do juiz e do sujeito responsabilizado, nesse caso, pelo Outro. Quando um paciente procura um psicanalista, ele decide provocado pelo psicanalista. Radicalmente diferente dos demais, o paciente, o sujeito da psicanálise “pica” seus conceitos e fantasias e tem, assim, a chance de reinventar, cioso de sua responsabilidade diante do futuro. No fundo, é ele quem sabe. Por isso, a decisão, o ato de cortar com palavras o status que, é dele.

 

Fonte: http://www.jorgeforbes.com.br/br/projeto-analise/juiz-psicanalista-e-estado-excecao.html